Xangri-lá na Serra de São Bento

Xangri-lá na Serra de São Bento

Diminutos objetos retangulares quebrando a hegemonia verde cinza da paisagem insípida dos vales planos do agreste potiguar. Paramos em uma curva para observar a estranha aparição. Parecia que estávamos nos movendo em direção a um encontro do terceiro grau, uma base secreta de extraterrestres erguida sobre uma enorme pedra. Encontraríamos poucas testemunhas, pedras milenares e cruzes na beira do caminho, marcos da distância percorrida pela raça humana — da morte por armas de pedra aos desastres fatais de motocicleta. Touceira de boninas nos trouxe de volta à realidade do momento: buscávamos um refúgio temporário das nuvens negras e tormentas ofuscando as possibilidades de um Brasil que sonhávamos ainda ser possível.

Visão surreal do vale, o chão de vidro do terraço precariamente equilibrado sobre uma enorme pedra. Luz verde iluminando indiretamente a estrutura, dando um toque de mistério ao matagal diante de nós. Apitos, assobios, grasnados, guinchados perdidos no farfalhar das árvores. Completando o mise en scène, estrelas flutuando na escuridão discreta do céu, noite de infinita paz. Como se regida por um maestro, a sinfonia acabou, a noite dormiu. Dormimos como crianças na Terra Prometida.

Malaquias, o guia da pousada, explicou nosso percurso em um tom de voz suave e profissional. Éramos seis adultos, perguntamos discretamente sobre escorpiões, batráquios e perigos do caminho. Próximo da trilha notamos uma pequena serpente, marcas típicas de uma cobra-coral. Perigo iminente, ninguém posou para um selfie…

Boca contorcida esculpida na gigantesca pedra, filas indianas de figuras liliputianas caminhando aleatoriamente no interior da cavidade. Pessoas contemplando uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, o altar diante de um pano de fundo de pinturas rupestres na tela rochosa. Romeiros, peregrinos, fieis seriam transportados por centenas de veículos, aproveitando-se da sazonalidade de um evento religioso celebrado no santuário. Procurando a paz e a salvação entre as pedras do caminho, todos nós…

Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores