Antes da insurreição de 6 de janeiro de 2021, quando os apoiadores de Donald Trump tentaram reverter sua derrota eleitoral, a política presidencial americana havia sido marcada por décadas de transições pacíficas, mesmo após eleições acirradas. O Serviço Secreto e outras agências de segurança protegiam presidentes e candidatos de danos físicos. No entanto, esse período de tranquilidade política terminou. Em julho, Trump foi atingido de raspão por uma bala em um comício na Pensilvânia. Pouco depois, as autoridades impediram outro atentado, frustrando um atirador escondido perto de um de seus campos de golfe na Flórida.
A história mostra que a violência política tende a se perpetuar. Grupos que acreditam que seus adversários estão buscando poder por meios ilegítimos frequentemente recorrem à violência. Fatores modernos, como redes sociais, facilitam a mobilização de extremistas, enquanto o fácil acesso a armas perigosas aumenta a capacidade de causar danos graves. As forças de segurança, por mais preparadas que estejam, enfrentam crescentes desafios diante dessas ameaças, que vêm tanto da direita quanto da esquerda, além de indivíduos com ideologias fragmentadas ou incoerentes.
O legado de Trump nos EUA e a retórica violenta têm ecos no Brasil, onde episódios recentes, como o ataque às sedes dos Três Poderes em 2023, refletem uma polarização crescente. A desinformação e a contestação de resultados eleitorais fomentam instabilidade, ameaçando as democracias de ambos os países.
Recentemente, o Departamento de Segurança Interna designou a certificação dos votos de 6 de janeiro de 2025 no Capitólio como um “evento especial de segurança nacional” (NSSE). Isso normalmente envolve um planejamento extensivo, com presença massiva de forças policiais, vigilância e fechamento de ruas. No passado, essa medida seria inimaginável, já que nenhum candidato derrotado havia incitado uma multidão a interferir em um processo até então considerado uma formalidade.
Trump, que se tornou o alvo mais vulnerável dessa violência, também foi seu maior instigador nos últimos anos. Ele alimenta o caos e a desinformação. Promete a seus aliados religiosos que, se vencer, eles nunca mais precisarão votar. Sugere a prisão de opositores políticos, ameaça deportações em massa e desumaniza imigrantes legais com falsas acusações, gerando hostilidade e violência contra eles.
Com isso, Trump normalizou a ideia de que algumas divergências políticas são grandes demais para serem resolvidas de forma democrática. Sobreviver a uma tentativa de assassinato não o fez reconsiderar suas atitudes. Pelo contrário, ele intensificou suas retóricas inflamadas. No último debate com Kamala Harris, Trump afirmou: “Provavelmente levei uma bala na cabeça por causa do que dizem sobre mim”, uma alusão aos seus opositores políticos. Caso Harris vença, Trump quase certamente não aceitará a derrota, assim como fez em 2021, e apoiará conselhos eleitorais que desafiem a lei, gerando mais caos.
Se Trump vencer, mesmo de forma legítima, muitos americanos que apoiam Harris provavelmente irão protestar contra seu retorno ao poder. Mesmo que esses protestos sejam em sua maioria pacíficos, sempre há o risco de que elementos violentos se infiltrem, com o objetivo de semear desordem, seja por motivação interna ou externa. Uma pesquisa recente da Universidade de Chicago mostrou que o apoio à violência contra Trump é maior do que o apoio à violência pró-Trump, revelando um ambiente político ainda mais polarizado.
Na prática, muitos autores de violência política não possuem uma ideologia clara. O primeiro suspeito de tentar assassinar Trump, segundo o FBI, demonstrou interesse por violência pública e escolheu o ex-presidente por conveniência geográfica. O segundo suspeito, ativo nas redes sociais, já havia apoiado Trump, mas depois o rejeitou, concentrando-se no apoio à guerra na Ucrânia.
Os Estados Unidos já enfrentaram ciclos de violência política antes. Nos anos 60, Robert F. Kennedy e Martin Luther King Jr. foram assassinados, e na década de 70, o presidente Gerald Ford sobreviveu a duas tentativas de assassinato. A democracia americana resistiu porque, eventualmente, a maioria das pessoas entendeu que os custos da violência superavam qualquer benefício político.
Embora o Partido Democrata não tenha um líder que adote ameaças como estratégia política, Trump envenenou tanto o ambiente que, mesmo uma derrota eleitoral clara, pode não ser suficiente para dissipar o risco de violência.
Palmarí H. de Lucena