Umbuzeiro: memória e esquecimento de filhos ilustres

Photo by Palmarí H. de Lucena
Umbuzeiro: memória e esquecimento de filhos ilustres

A beleza da serra, parcialmente envolta pelo véu de neblina, proporciona uma sensação exuberante de acolhimento do frio das alturas, contrastando vividamente com o calor sufocante dos vales poeirentos, onde pessoas excluídas residem nas sombras de moradias inadequadas. Este lugar encantado é chamado de Umbuzeiro, um nome originário de Umbu, uma variação da expressão indígena “am-bur”, que significa “aquele que está de pé”, referindo-se ao tronco ereto da planta nativa que cresce espontaneamente em vários pontos da Serra da Borborema.

Neste local, habitado por apenas 10 mil pessoas, onde a criação de gado e a presença dos umbus são cenas comuns, surgiram figuras proeminentes na história do Brasil, embora hoje pareçam esquecidas pelos próprios conterrâneos. Entre elas, destacam-se personalidades como o ex-presidente Epitácio Pessoa, o ex-governador João Pessoa, o notável empresário F. Pessoa de Queiroz e o influente jornalista Assis Chateaubriand, o Chatô.

Epitácio Pessoa foi eleito presidente do Brasil em 13 de abril de 1919. Sua vitória sobre o lendário Rui Barbosa, enquanto residia na França, foi um fato sem precedentes na chamada República Velha. Foi senador pela Paraíba, ministro do STF, Procurador Geral da República e ministro da Justiça e da Indústria, deixando uma marca indelével na história política do país. Após o término da Primeira Guerra Mundial, liderou a delegação brasileira na Conferência de Paz de Versalhes, obtendo sucesso nas negociações sobre a venda do café armazenado em portos europeus e a questão dos navios alemães apreendidos durante a guerra.

Seu sobrinho, João Pessoa, foi assassinado na Confeitaria Glória, no Recife, por João Dantas, enquanto governador da Paraíba. Apesar de o crime ter sido motivado por questões passionais e não políticas, segundo alguns historiadores, sua ocorrência foi utilizada como uma narrativa política pelos apoiadores de Getúlio Vargas para contestar a vitória de seu opositor Júlio Prestes, com acusações de fraude eleitoral. Essa situação política, somada à crise financeira decorrente da depressão econômica mundial iniciada em 1929, culminou na Revolução de 1930.

Francisco Pessoa de Queiroz, conhecido como F. Pessoa de Queiroz, teve uma trajetória versátil como advogado, político e empresário, ocupando cargos importantes, como deputado federal, senador e diplomata em várias capitais internacionais durante o mandato de seu tio, Epitácio Pessoa, como presidente do Brasil. Em 1919, fundou o Jornal do Commercio em Pernambuco, cujo início marcou o início de seu império de comunicação, que englobava diversos meios de comunicação. Estabeleceu o Diário da Noite e lançou a Rádio Jornal do Commercio, que se tornou a emissora de rádio mais influente do Brasil na época. Deixou sua marca ao inaugurar a TV Jornal do Commercio, transmitindo o primeiro sinal de televisão de Pernambuco em 1960.

Fora da família Pessoa, outro umbuzeirense, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, o Chatô, foi um magnata das comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e o início dos anos 1960, sendo proprietário dos Diários Associados, o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contava com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e uma agência telegráfica. Além disso, foi cofundador do Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 1947 e responsável pela introdução da televisão no Brasil, inaugurando em 1950 a primeira emissora de TV do país, a TV Tupi. Também ocupou o cargo de Senador da República entre 1952 e 1957 e foi embaixador do Brasil na Inglaterra.

A cidade de Umbuzeiro, na serra da Borborema, mãe dos filhos ilustres Epitácio, João Pessoa, F. Pessoa de Queiroz e Chatô, que começou como ponto de parada e descanso dos tropeiros que seguiam com destino ao Recife para escoar a produção de algodão no porto, tem relevância incontestável não apenas para a Paraíba, mas para a história do Brasil. Seus filhos ilustres jamais poderiam ser esquecidos. As casas onde nasceram João Pessoa e a de Chatô, que está à venda no momento, têm alguma serventia, mas poderiam ser transformadas em museus retratando a história desses grandes brasileiros, até mesmo como atrativo para o turismo cultural. A casa onde nasceu João Pessoa, situada na Antiga Fazenda Prosperidade, foi tombada pelo IPHAEP através do decreto n° 23.311, de 23/08/2002. Mesmo assim, placas na casa e na estátua estão em péssimo estado de conservação, algumas ilegíveis.

Pouca, talvez nenhuma menção é feita sobre Epitácio Pessoa, F. Pessoa de Queiroz ou Chatô. Lamentável é o fato da falta de investimento do Estado da Paraíba e da Prefeitura e a indiferença político-partidária, que parece manter a história de Umbuzeiro perdida no buraco negro da sanha autodestrutiva, alimentando uma espécie de distopia da polarização política, que ofusca os sentimentos e lembranças mais básicas da nossa história. “A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos”, assim falou Cícero.

Palmarí H. de Lucena, membro  União Brasileira de Escritores

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