Uma rua que cheirava à familia

Escondido à sombra das trepadeiras multicoloridas, pequeno bangalô cor amarela descolorada. Meninos jogando bola, meninas brincando de estátua. Enorme playground atravessando o bairro de Jaguaribe de leste a oeste. Pequenos jardins, com cercas de vara, às vezes murados, escondendo a magia floral criada pelas mãos de nossas mães. Escapando ao anoitecer, flagrâncias de rosas e cravos; redes embaladas pela escassa brisa de verão; pessoas em calçadas contemplando a vida ou os astros. Cheirando a família, nossa rua chamava-se avenida Conceição.

Explosão de cores e sons. Tínhamos nossos artistas, músicos, pintores e uma poetisa, nossa EmilyBrontë,com ares de sofrimento e solidão. Declamando versos que mal entendíamos. Personagem shakespeariana morrendo do amor impossível. Éramos muito, muito jovens, não sentíamos dores tão profundas. Homem sempre com olhos nos céus, um astrônomo. Adultos diziam ser um comunista. Misturando seu amor pelo universo do nosso Criador, e o espectro de um mundo ateísta que negava a sua própria existência.

Data importante no calendário da rua: 29 de Julho. Um vizinho abria as portas de casa a todos, sem restrições ou exigências. Festa incomum celebrando o retorno dos seus filhos da Itália, membros da Força Expedicionária Brasileira que lutara contra os nazistas efascistas. Fogueiras enormes produziam fumaça, faíscas e, eventualmente, fogo.

Abanos removiam a cinza, mostrando o vermelhão das brasas. Aproximava-se sutilmente, um homem movendo os pés em sincronia. Caminhando sobre o inferno diante de nós, completando a travessia rapidamente. Sorriso maroto pregado na face prematuramente envelhecida.

Servidos em um mesa com duas superfícies móveis, girando em torno do eixo, doces e salgados decorados com parafernália junina. Criada pelo dono da casa, o objeto causava grande admiração. Fogos de artifício esfumaçando encobriam a rua, suas cores caindo do céu. Homem solitário, narinas irritadas pela fuligem, procurando desvendar os mistérios incrustados na noite estrelada. Dormíamos na paz de um dia feliz, com gosto de chocolate no céu da boca e as estrelas do nosso vizinho.