Donald Trump tem atribuído à China a origem de diversos problemas dos EUA, como o déficit comercial bilionário, o declínio industrial e a crise dos opioides. Durante seu primeiro mandato, rompeu com a tradição ao iniciar uma guerra comercial contra Pequim. Agora, em sua volta à presidência, Trump sugere intensificar essa abordagem linha-dura, o que promete aumentar as tensões entre as maiores economias do mundo.
Os líderes chineses, no entanto, não veem Trump com temor. Durante seu mandato anterior, demonstraram habilidade em lidar com sua imprevisibilidade. Apesar dos desafios econômicos impostos pelo protecionismo de Trump, Pequim confia em sua capacidade estratégica. Além disso, o enfraquecimento das alianças americanas abre espaço para que a China expanda sua influência global. No entanto, um confronto militar direto continua improvável, já que Trump demonstrou aversão a conflitos prolongados no exterior. Para a China, um segundo mandato de Trump representa um desafio significativo, mas não uma ameaça existencial.
A visão predominante é de que a política americana em relação à China não mudará drasticamente, independentemente do vencedor das eleições de 2024. Democratas e republicanos concordam em ver Pequim como uma ameaça estratégica, divergindo apenas nos métodos. Biden privilegia alianças multilaterais, enquanto Trump adota uma abordagem unilateral e combativa. Se reeleito, Trump poderá ser ainda mais imprevisível e agressivo, especialmente se rodeado por conselheiros de visões mais radicais.
O contexto internacional, porém, será muito diferente daquele de 2017. Líderes globais, inicialmente esperançosos com uma governança pragmática de Trump, agora buscam maior autonomia estratégica. Países como França e Alemanha tentam mitigar os efeitos de uma política externa americana errática, enquanto aliados como Japão e Coreia do Sul se preparam para lidar com exigências financeiras e militares de um segundo governo Trump.
Na economia, é esperado que Trump intensifique sua postura protecionista contra a China, ampliando tarifas, restringindo investimentos e limitando o número de estudantes chineses em universidades americanas. Embora Biden tenha mantido algumas tarifas de Trump, seu foco tem sido a exclusão da China de cadeias de suprimentos estratégicas, como as de semicondutores. Já Trump poderia buscar uma ruptura mais ampla, provocando retaliações chinesas e agravando as tensões comerciais globais, com impactos profundos para a economia mundial.
Na esfera militar, a retórica linha-dura de Trump pode desencadear tensões como as geradas pela visita de Nancy Pelosi a Taiwan. Questões como Taiwan e o Mar do Sul da China poderiam tornar-se mais inflamadas, e o enfraquecimento dos canais diplomáticos com Pequim aumentaria o risco de crises mal calculadas.
Apesar disso, a rivalidade entre EUA e China dificilmente resultará em uma nova Guerra Fria. Diferentemente do embate ideológico com a União Soviética, a competição atual se concentra em avanços tecnológicos, como inteligência artificial e semicondutores. Ambos os países têm prioridades pragmáticas: Trump busca impulsionar a economia americana, enquanto a China foca na estabilidade interna. Não há interesse mútuo em exportar seus modelos políticos.
Curiosamente, a postura isolacionista de Trump pode beneficiar a China. Suas críticas a aliados tradicionais dos EUA podem incentivar países europeus e asiáticos a buscar um equilíbrio estratégico entre Washington e Pequim. Caso Trump reduza o apoio militar à Ucrânia, isso poderá enfraquecer a confiança na liderança americana, permitindo à China ampliar sua influência global.
Por outro lado, as prioridades domésticas de ambas as nações podem evitar um confronto direto. Enquanto Trump busca consolidar seu legado político e econômico internamente, a China tenta revitalizar sua economia. Essa convergência de interesses pode ajudar a moderar as tensões mais graves.
Em resumo, um segundo mandato de Trump promete turbulências, mas não rupturas definitivas nas relações EUA-China. Pequim continuará adaptando-se às inconsistências americanas, enquanto Trump moldará sua política externa de maneira unilateral. O desfecho desse embate dependerá mais das reformas internas de cada nação do que de provocações mútuas, influenciando o equilíbrio global nos próximos anos.
Palmarí H. de Lucena