Tudo mudou em Bogotá…

Flanávamos distraidamente na direção de uma farmácia. Repentinamente uma sensação de que tínhamos companhia. Respirava-se perigo no ar. Paramos na esquina e acendemos um cigarro. Observamos dois homens armados no outro lado da rua. Carabinas apertadas contra o peito, corpos semiagachados. Olhos alertas. Uniformes de paramilitares ou seguranças. Continuamos. Passadas cautelosas desafiando o desejo crescente de correr. Chegamos ao nosso destino: a farmácia. Pequeno guichê de vidro opaco. A palavra micrófono em vermelho. A mesma mão esquálida que recolheu a receita entregou o medicamento e a nota fiscal. Pagamos apressadamente. Voltamos ao hotel, sem nunca olhar para trás.

O senhor correu um grande risco caminhando até a farmácia […] não queremos mais um sequestro aqui, advertiu energicamente o segurança do lobby. Aqueles homens são bandidos? Perguntamos apontando o queixo timidamente na direção deles. […] Guarda-costas, respondeu. Homens armados. Terra de Pablo Escobar e cocaína. Guerra sem-fim. Terrorismo urbano; sequestros e perigos sempre presentes. Estávamos na Colômbia, o homme malade da América Latina, final dos anos noventa.

Voltamos em 2011. Lembranças da nossa última visita permeavam a memória, enquanto nos aproximávamos do Aeroporto Internacional El Dorado de Bogotá. Desembarcamos. Cumprimos com os procedimentos migratórios. Ouvindo repetidamente as expressões: a la orden […] con mucho gusto. Soldados respondendo às perguntas dos passageiros, tom de voz mantido a um nível de conversação. Alertas sem a postura física ameaçante de homens armados. Sentimos imediatamente que algo havia mudado. Calma e civilidade imperavam. Tráfego ordenado na estrada do aeroporto. Motociclistas e passageiros, número da placa na parte traseira do capacete e da jaqueta mantinham a velocidade legal, sob o olhar vigilante de patrulheiros móveis. Nos tempos de Pablo Escobar […] motoqueiros vestidos de preto assassinavam pessoas a mando do cartel […] os sicários aterrorizavam a cidade […] Tudo mudou, nos informou o taxista. Voz cheia de orgulho cidadão. Ouvimos a mesma frase, em todas as variações possíveis.

Bogotá é hoje uma cidade mais tranquila do que Caracas, Washington, Rio de Janeiro, São Paulo e praticamente todas as capitais do Nordeste do Brasil. Longe daquela cidade violenta que conhecemos nos anos 90. Homicídios reduzidos em mais de 70%, desde a nossa última visita. Passeamos por ruas limpas, espaços verdes decorados com esculturas e peças de arte. Frequentamos polos de entretenimento ao redor das praças. Diversidade de níveis sociais e faixas etárias comungavam da segurança da cidade.

E o que foi que mudou? – perguntamos. Bom governo! – resposta quase unânime. Conseguiram reduzir o número de homicídios, sem aumentar a força policial. Introduziram soluções locais coordenadas e implantadas pelo governo municipal, com apoio das comunidades e parcerias. Asseguraram a continuidade dos planos de desenvolvimento local, mesmo com mudanças de governo. Direcionaram investimentos na infraestrutura urbana e num sistema de transporte coletivo seguro, eficiente e econômico, atraindo a classe média de volta. Embutiram estratégias de segurança pública nos programas de desenvolvimento urbano e no turismo. Policiamento comunitário trabalhado em parceria com agentes de saúde, limpeza pública, educação, serviços sociais e a sociedade civil. Governança participativa substituindo as soluções verticais promovidas por burocracias viciadas, corruptas e incompetentes. Tudo mudou em Bogotá. Mudou porque seus governantes optaram pelo respeito à democracia e à cidadania, promovendo paz e reconciliação, em vez de um projeto de poder.

Desta vez não conseguimos escapar ao maior risco de Bogotá: partimos, querendo ficar… Palmari@gmail.com