Sexta-feira da Paixão é a data em que cristãos lembram a crucificação de Jesus, executado com um instrumento de tortura do Estado. Acontecimento que é também um poderoso alerta dos perigos para uma sociedade, quando políticos autoritários e líderes religiosos corruptos conspiram para manter-se no poder e dominação, ressoando profundamente nos dias de hoje, há quase 2.000 anos do martírio de Jesus. Aliança do chamado nacionalismo cristão com políticos da extrema direita, é pouco diferente da que existia entre as autoridades religiosas nos tempos de Cristo e Pôncio Pilatos. A direita cristã e seu modus operandi, se hão transformado em pivô do extremismo político ameaçando a laicidade do Estado Democrático de Direito.
Muitos líderes religiosos viram as costas a Jesus para apoiar políticos imorais, a exemplo de Donald Trump e afins, que defendem ou justificam práticas como tortura e supressão de direitos básicos de grupos minoritários. Pilatos empoderou elites religiosas para manter ordem e status em suas respectivas jurisdições. Dois mil anos depois, evangélicos e alguns líderes católicos fundamentalistas são usados para a mesma finalidade, enaltecendo sua fé, compartilhando espaço midiático e prometendo um tipo de “liberdade religiosa”, que permitiria empresários discriminar pessoas que não se encaixassem nos parâmetros de suas convicções religiosas ou pauta de costumes.
Ansiosos de experimentar a glória e benesses da política, um número expressivo de pastores e padres pregam a ideologia do Nacionalismo Cristão aos seus seguidores, a falsa ideia de que os Estados Unidos, entre outros países, são nações cristãs e que não existe diferença entre a identidade cristã individual e a identidade nacional. Enquanto isso os políticos que eles apoiam, ignoram completamente o Evangelho de Cristo, reduzindo orçamentos da saúde e educação dos mais pobres e da classe média, promovendo versões falsas dos abusos cometidos pelo Estado em nome da Lei e Ordem, estimulando narrativas mentirosas contra pessoas de persuasão diferente ou de estilo de vida não tradicional. Adoram no Altar do Poder, não o de Deus.
A história é repleta de exemplos do que acontece quando líderes religiosos formam parcerias de conveniência com líderes autoritários, não somente quando Pôncio Pilatos matou Jesus, mas também pelo Deutsche Christen, um movimento evangélico alemão que defendia o antissemitismo, racismo e a ideologia nazista. O Patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa Russa, é um dos pilares do nacionalismo cristão de Vladimir Putin. Passagens bíblicas em Romanos 13:1-7 e a Maldição de Cam foram usadas para justificar o sistema de apartheid da África do Sul ou para escravizar indígenas no Brasil.
Interesses pessoais de pastores subvertendo políticas públicas, alocação de recursos do setor da educação através de intermediários religiosos, uso da coisa pública para proselitismo, fortalecimento de estruturas pastorais, enriquecimento patrimonial de religiosos, são mostras preocupantes da tendência de promover a dessecularização do Estado Brasileiro. Falsa moralidade de líderes destorce os ensinamentos de Cristo para beneficiar suas carreiras políticas ou para assegurar a permanência de religiosos fundamentalistas no círculo do poder. Devemos combater políticas públicas que podem causar retrocessos democráticos, assimilação forçada dos povos originários, normalização do racismo e preconceitos religiosos, tudo em nome de Jesus
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores