Nenhum governo é totalmente imune a deslizes éticos, mas Donald Trump parece ter levado o conceito de conflito de interesses a um nível inédito. Em vez de simplesmente governar, Trump transformou o poder público em um instrumento de autopromoção e enriquecimento pessoal — como mostra um artigo recente publicado no The New York Times.
Desde os primeiros meses de mandato, tornou-se evidente a disposição de demolir normas básicas de integridade pública. Regras que exigiam transparência, combate a lobbies e separação entre interesses privados e funções públicas foram sistematicamente desmontadas. Nomeações políticas estratégicas blindaram aliados e favoreceram negócios próprios ou de apoiadores, criando um ambiente onde o Estado servia a propósitos particulares.
Trump não apenas afrouxou leis, como também perseguiu e demitiu aqueles que poderiam freá-lo. Órgãos de controle interno foram desmantelados, inspetores independentes substituídos, e o aparato ético da administração pública se tornou praticamente decorativo.
O favorecimento a grandes doadores de campanha se institucionalizou de forma ainda mais explícita. Bilionários que investiram somas vultosas nas eleições viram seus interesses prosperar sob o novo governo. Empresas beneficiadas, contratos adiados, penalidades suavizadas — tudo alimentando a percepção de que influência, nos Estados Unidos de Trump, estava à venda.
No setor tecnológico, a promiscuidade atingiu níveis alarmantes. O mercado de criptomoedas, com suas lacunas de regulação, foi abraçado sem reservas pela administração, enquanto a família Trump expandia seus investimentos no setor. Estima-se que sua fortuna ligada a ativos digitais já se aproxime de um bilhão de dólares. Medidas regulatórias foram revogadas, investigações congeladas, e plataformas acusadas de crimes financeiros receberam tratamento privilegiado.
E a expansão não se limitou ao território americano. Parcerias imobiliárias na Arábia Saudita, negociações para eventos de prestígio em seus resorts e novos empreendimentos internacionais indicam que a simbiose entre interesses pessoais e dever público se tornou a marca registrada de sua gestão.
O retrato que emerge é desolador: um presidente que ultrapassou todos os limites da conveniência, misturando negócios privados com funções públicas sem pudor, como detalhou Steven Rattner no The New York Times. Mais do que erros administrativos, trata-se da corrosão sistemática dos princípios que sustentam a confiança pública no governo.
Em momentos anteriores da história americana, crises de confiança levaram à criação de mecanismos de proteção e reformas profundas. Hoje, diante da escala dos retrocessos, o desafio será não apenas restaurar práticas éticas de governo, mas também reconstruir a credibilidade do país perante o mundo.
Porque alguns danos, infelizmente, são permanentes.