A ameaça de que Donald Trump retorne à Casa Branca não se restringe aos pilares da democracia americana — ela se estende às estruturas delicadas da economia global. Em postagens e declarações públicas, o ex-presidente tem sugerido que o poder executivo deveria interferir diretamente no Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos. Tal proposta, que à primeira vista parece apenas mais uma bravata populista, pode ter consequências severas e duradouras.
Criado há mais de um século, o Federal Reserve não é apenas um instrumento técnico da política monetária; é um símbolo da confiança mundial na estabilidade da economia americana. O simples fato de sua autonomia ser colocada em dúvida já tem reflexos nos mercados: a valorização do ouro, a oscilação do dólar e a elevação dos juros dos títulos do Tesouro revelam o desconforto de investidores com o cenário.
Trump, como empresário do setor imobiliário, tem claro interesse em juros baixos. Eles barateiam o crédito e aquecem o mercado — ainda que artificialmente. O problema é que a redução de juros fora de hora não apenas distorce os ciclos econômicos, como enfraquece o principal instrumento de combate a futuras recessões.
Há quase um século, economistas já alertavam para os riscos de subordinar os bancos centrais ao poder político. A analogia de Ulisses amarrado ao mastro para resistir ao canto das sereias ainda serve: os governantes devem se proteger da tentação de manipular a política monetária em benefício próprio. A independência do Fed não é capricho institucional; é um antídoto contra decisões impulsivas e personalistas.
Mas Trump não está só. O projeto conservador “Project 2025”, apoiado por think tanks influentes como a Heritage Foundation, quer reduzir o escopo de ação do Fed, enfraquecer sua atuação em momentos de crise e transferir suas metas econômicas para o controle de políticos eleitos. É o retorno à ideia perigosa de que a economia deve se curvar aos humores do governante da vez.
Além disso, o Supremo Tribunal dos EUA pode em breve revisar uma decisão histórica de 1935 que protege a autonomia de cargos como o do presidente do Fed. Se isso ocorrer, abre-se uma avenida para a politização das instituições independentes.
Trump já demonstrou desprezo pelas regras que equilibram os poderes da República. Se conseguir estender esse controle ao Federal Reserve, o dano não será apenas institucional — será também econômico. A inflação pode sair do controle, os juros disparar, e os Estados Unidos deixarão de ser porto seguro para investidores.
Num mundo onde incertezas são a nova norma, minar a credibilidade do banco central mais importante do planeta é brincar com fogo — e com o bolso de bilhões de pessoas.
Palmarí H. de Lucena