Trump e a Retração Americana: A Grandeza em Xeque

Trump e a Retração Americana: A Grandeza em Xeque

Há países que avançam com a fúria dos rios, moldando margens, arrastando impérios. Outros preferem o silêncio das marés, recuando sem pressa, como quem esconde a própria força. E há, por fim, aqueles que, em nome de uma suposta grandeza, abdicam do próprio farol — e deixam o navio à deriva. Os Estados Unidos de Donald Trump parecem ter escolhido esse terceiro caminho: uma odisseia ao contrário, onde Ulisses, em vez de regressar a Ítaca, decide incendiar suas próprias velas.

A tensão entre o lema “Make America Great Again” e a prática de um isolamento voluntário nunca foi apenas retórica. Era tragédia em ato. Nos últimos meses, ela se revelou em toda sua dissonância: a maior potência do mundo recuando da liderança global como se a História pudesse ser reescrita com slogans e tarifas improvisadas.

A economia, sempre sensível como um termômetro no meio da febre, começou a oscilar em espasmos. Um dia, Trump impõe tarifas; no outro, recua. Não há bússola. Apenas gestos abruptos, como se governar fosse o ato de riscar fósforos no escuro. Os mercados, ávidos por estabilidade, reagem como crianças num quarto sem luz — ora euforia, ora pânico. A guerra com a China se tornou um refrão dissonante, repetido sem convicção.

Foi assim que o dólar, outrora símbolo do pacto tácito entre a América e o mundo, começou a vacilar. Até os títulos do Tesouro, esses velhos abrigos de tempestade, pareciam já não confiar tanto na solidez da casa. O investidor global, esse leitor atento das entrelinhas, percebeu: algo se rompeu. E como bem diria Shakespeare, “os ventos frios da desconfiança sopram mais forte que as promessas de verão”.

O campo da defesa tampouco escapou ileso. Cortar tropas da Europa, duvidar do compromisso com a Ucrânia em plena agressão russa, foi como trancar a porta da cidadela e jogar fora a chave. O rei, em sua torre, acusa os aliados de fraqueza, mas é ele quem recua, empurrando-os à autossuficiência. Ironia cruel: ao tentar reafirmar o domínio, empurra o mundo para longe do seu abraço.

Pior ainda é a erosão do poder brando. Cortar recursos da USAID não é apenas abandonar projetos; é calar a voz que falava de esperança, de cooperação, de valores universais. Segundo a ONU, mais de 14 mil mortes por tuberculose poderiam ter sido evitadas. Cada uma delas é um poema interrompido, uma página arrancada de um livro que os EUA já escreveram com mais empatia.

Trump justifica seus atos com o temor da China. Mas que sentido há em enfrentar um dragão sozinho, quando se poderia fazê-lo cercado de aliados, como cavaleiros de uma távola redonda global? É como Dom Quixote atacando moinhos, sem Sancho, sem bússola, apenas armado de orgulho.

David Frum, como um Cassandra moderno, já advertia: o isolacionismo tem cheiro de mofo histórico. Os americanos, ao se afastarem do mundo, não estão preservando sua grandeza — estão deixando-a esvair-se pelas frestas da arrogância.

Se essa é a América que se queria tornar grande novamente, talvez seja hora de reabrir o livro das nações e escrever novos capítulos. Com menos punhos cerrados e mais mãos estendidas. Com menos trincheiras e mais pontes.

Porque, como dizia Neruda, “se nada nos salva da morte, que pelo menos o amor nos salve da vida”. E no teatro das nações, a grandeza verdadeira não é gritada — é reconhecida em silêncio, pelo rastro luminoso que deixa.

Palmarí H. de Lucena