Donald Trump, ex-presidente e líder dos Estados Unidos, é um visionário ou um lunático? Essa dúvida não surge ao acaso. Pelo contrário, parece ser meticulosamente alimentada pelo próprio Trump. Em um de seus emblemáticos rompantes verbais, ao ser indagado sobre uma eventual retaliação a um bloqueio chinês a Taiwan, respondeu de maneira inequívoca: “[O líder chinês Xi Jinping] me respeita e sabe que eu sou completamente louco”.
O jogo da imprevisibilidade, se é que se pode chamar assim, é uma tática antiga na geopolítica. No tabuleiro internacional, a hesitação do adversário pode ser um trunfo poderoso. No entanto, a questão que persiste é se essa abordagem traz frutos ou se apenas semeia caos. Desde o seu retorno à cena política, Trump tem demonstrado a disposição de retomar essa estratégia. Antes mesmo de reassumir, contribuiu para a intermediação de um cessar-fogo em Gaza. Posteriormente, impôs um ultimato à Rússia, exigindo o fim da guerra contra a Ucrânia sob pena de sanções ainda mais severas. Quando a Colômbia hesitou em aceitar voos de repatriação de imigrantes, Trump usou sua velha tática de ameaçar com tarifas comerciais. E, ao que parece, o governo colombiano recuou.
Mas até que ponto a retórica do líder destemperado funciona? O renomado jornalista e comentarista político Fareed Zakaria lembra que Trump experimentou essa estratégia no passado, particularmente com Kim Jong Un, da Coreia do Norte. Primeiro, ameaçou com guerra nuclear. Depois, inundou Kim com elogios e cartas amistosas.O resultado? Nenhum. A Coreia do Norte seguiu adiante com seus testes de mísseis e sua retórica agressiva contra o Sul. O estudioso Daniel W. Drezner corrobora essa visão, apontando que Richard Nixon, um dos primeiros a testar a chamada teoria do “homem louco”, não obteve ganhos concretos com essa abordagem.
A teoria, que sugere que um líder instável pode gerar medo e dissuasão, já foi usada antes. Roseanne McManus, especialista em política internacional, argumenta que Nixon instruiu sua equipe a cultivá-lo como um homem imprevisível e impiedoso. Nikita Khrushchev fez algo semelhante na década de 1960, adotando um comportamento errático que, por um tempo, deixou oficiais americanos inquietos. Durante a Guerra Fria, o medo da destruição mútua impedia ataques diretos, e a ideia de que um líder era “louco o bastante” para agir de forma irracional poderia, em teoria, conferir-lhe vantagem.
Contudo, os limites dessa estratégia são evidentes. Nixon não alcançou seus objetivos no Vietnã e Khrushchev recuou na Crise dos Mísseis em Cuba. Em ambos os casos, a imprevisibilidade não dobrou seus adversários. Além disso, um líder que parece excessivamente insano pode, ao invés de dissuadir, encorajar ataques preventivos de seus inimigos, temerosos de que o “louco” aja primeiro. Por outro lado, sua credibilidade diplomática se desgasta, tornando qualquer promessa de paz ou cooperação duvidosa.
A calibragem dessa tática é um desafio. Ditadores como Muammar Kadafi e Saddam Hussein foram tão longe na construção de suas imagens de imprevisibilidade que perderam completamente a confiança internacional. Seus inimigos passaram a acreditar que não havia negociações possíveis, e ambos foram derrubados. Já Nixon e Khrushchev talvez tenham sido cautelosos demais e falharam em persuadir seus rivais de sua real disposição ao risco.
Trump pode, teoricamente, encontrar um meio-termo, vendendo-se como ousado e imprevisível sem cruzar a linha da irracionalidade total. No entanto, se sua reputação pender para o lado do delírio incontrolável, ele corre o risco de ser ignorado ou, pior, provocar reações indesejadas. No xadrez da política internacional, a diferença entre o gênio estratégico e o desvairado perigoso pode ser tênue.
Se a história é um guia, a estratégia do “homem louco” continua a ser um jogo de alto risco. Mais vezes do que não, ela se prova ineficaz. Resta saber se Trump conseguirá reinventá-la ou se estará apenas repetindo os erros do passado.
Palmarí H. de Lucena