Trincheiras da guerra contra a pobreza

Os Estados Unidos pareciam uma nação à borda do abismo. Aparentes benefícios da prosperidade pós-guerra, questionados por todos. O consenso sobre a capacidade do sistema para resolver crises ou enfrentar qualquer desafio começava a rasgar-se na emenda. O país enfrentava duas guerras: uma contra a pobreza no território americano; a outra, uma guerra não declarada contra o Vietnã do Norte e o Vietcong, seus aliados no Sul do país…

Os Beatles invadiram a América, superando o “crooner” Andy Williams, como os artistas favoritos das estações de radio. Os “sessenta” estavam prestes a acontecer, o ano era 1964…

Ouvíamos atenciosamente o discurso de lançamento do programa de ação comunitária (PAC). Trabalhadores recrutados das comunidades ou através da Bolsa de Empregos do Distrito da Missão, em São Francisco. Apresentador articula a complexidade e as expectativas do programa. Empoderando comunidades pobres, para criar um contraponto nas repartições públicas prestadoras de serviços básicos. Assegurando a máxima participação possível dos beneficiários em todos os aspectos da guerra contra a pobreza. Tínhamos uma pergunta, mas nunca a fizemos… O governo está organizando os pobres contra suas próprias instituições?…

Nosso time refletia o mosaico étnico do bairro. Éramos três: Jesse, ex-presidiário, com uma história de dependência em heroína; Eduardo, estudante de direito e ativista mexicano-americano; escolheram-nos como líder, em virtude do nosso sucesso na organização dos estivadores desempregados. Prioridades: negociar uma trégua entre as gangues e mobilizar a juventude para participar nas eleições do conselho de ação comunitária. Tarefas difíceis, devido à alienação, exclusão e a violência que permeava entre jovens envolvidos com o uso ou a venda de drogas.

Olhares desconfiados, gestos intimidantes, palavras ininteligíveis saindo de bocas anestesiadas pela droga, em desobediência aos comandos dos cérebros cansados, na primeira semana. Ninguém acreditava no governo, muito menos em entidades ou pessoas conhecidas genericamente como “the man”. Compareceram à primeira reunião, três jovens: Ed, Tom e Juanita. Havíamos convocado através de panfletos e anúncios. Mil convites, três respostas. Um começo…

Jesse pôs suas credenciais na mesa: seis anos por assalto na prisão de Sing Sing; doze anos de dependência em heroína; recente status de cristão do nascido de novo. Tínhamos que decidir o nome do grupo. Os três adolescentes queriam que fosse algo relevante, o nome errado causaria problemas. O titulo de um livro de Camus, nos deu a solução: O Rebelde… Os Rebeldes da Missão. Tínhamos que mostrar seriedade nas nossas ações, demonstrando os benefícios da participação e empoderamento, mobilizando recursos, realizando ações concretas.

Quando o grupo já começava a mostrar sinais de impaciência, mais um incidente de brutalidade policial, nesta ocasião agredindo alguns dos “rebeldes”. Abuso policial, depois do desemprego, era a segunda maior queixa. Organizamos uma demonstração pacífica na delegacia. Contatos na imprensa, devidamente notificados. Estabelecemos diálogo com o comandante. Os adolescentes recém-empoderados, demandaram a indicação de um oficial para atender aos problemas da comunidade e procurar soluções. Designaram um policial experiente, conhecido na comunidade como Dave. A idéia começou a funcionar…

A revista Time publicou uma matéria sobre os Rebeldes da Missão. O governo aprovou o financiamento do nosso projeto, Operação Motivação. Movemos das mãos da policia para o desemprego. Remuneraríamos adolescentes que haviam deixado a escola, para servir como motivadores daqueles que estavam em risco de abandonar os estudos. Seria responsabilidade do programa, localizar e tentar trazê-los de volta à escola, substituindo as patrulhas policiais nos parques à caça de adolescentes. Os “motivadores” participariam de cursos preparatórios para novas carreiras em serviços sociais. Muitos adolescentes voltaram à escola, como estudantes ou professores. O ciclo da pobreza foi quebrado. As guerras continuaram por muitos anos…

Era um começo.

São Francisco, 1966