Em diversos cenários, como debates parlamentares, mídia e redes sociais, testemunhamos a repetição de um padrão: as investigações sobre o tráfico de drogas revelam uma crise cada vez mais alarmante. Com o uso de termos e expressões angustiantes para descrever a gravidade da situação, juízes, policiais, advogados, prefeitos e jornalistas chegam a uma conclusão unânime: estamos enfrentando o surgimento de uma nova era. O aumento significativo das apreensões de drogas, a pureza dos entorpecentes, a corrupção no serviço público, a crescente violência e a sofisticação dos grupos criminosos organizados apontam claramente para um domínio crescente do tráfico de drogas.
Recentemente, observamos um aumento alarmante nas estatísticas relacionadas à cocaína, especialmente em países como a França, que tradicionalmente lidera o consumo de cannabis na Europa. Além disso, um novo fenômeno emergiu: a França agora desempenha um papel crucial nas rotas de tráfico de drogas, onde os fluxos de cannabis do Marrocos e da Espanha se misturam com os da cocaína proveniente da América Latina, passando por portos do norte como Antuérpia, Roterdã e, mais recentemente, Le Havre.
As investigações conduzidas pelo jornal Le Monde revelaram a importação de drogas para a França, detalhando os complexos circuitos de distribuição e consumo, além dos graves danos sociais e à saúde causados por essas substâncias. Os pesquisadores também analisaram minuciosamente as preocupantes mudanças na composição de cannabis, cocaína e drogas sintéticas. Eles mergulharam na realidade cotidiana da Guiana Francesa, enfrentando os desafios impostos pelo tráfico de drogas ao sistema judicial. Narraram histórias sobre uma guerra de corrupção entre traficantes e autoridades, destacando a resistência incansável dos investigadores, cujos sucessos muitas vezes parecem pequenos diante da enormidade da tarefa.
O debate sobre este assunto na França e em outros países democráticos muitas vezes se divide em duas perspectivas extremas. Uma delas se manifesta através das chamadas “operações de limpeza total” do governo, que envolvem repressão indiscriminada e estratégias de comunicação enganosas. A ideia de que o fortalecimento das forças de segurança, juntamente com o aumento da vigilância por câmeras, possa resolver problemas tão enraizados e complexos é considerada absurda, gerando desânimo até mesmo entre os próprios policiais, que se veem pressionados a acelerar investigações para atender às demandas ministeriais.
Uma abordagem alternativa sugere a legalização da cannabis como meio de aliviar a pressão sobre o sistema judicial e reduzir a superlotação das prisões. Embora o experimento alemão possa oferecer insights sobre essa opção, é importante não nos iludirmos. Até o momento, nenhum país que tenha adotado essa medida conseguiu resolver completamente o problema do tráfico de drogas, no qual a cocaína tem desempenhado um papel cada vez mais proeminente. Os grupos criminosos se adaptam continuamente, mantendo sua lucratividade praticamente intacta, devido à enorme discrepância entre os custos de produção e os preços de venda nas ruas.
É crucial encarar o tráfico de drogas pela realidade que ele representa: um mercado extremamente desregulado, caracterizado pela produção em larga escala, concorrência intensa de preços, constante inovação de produtos e estratégias de marketing eficazes. Esse mercado prospera à custa de uma mão de obra explorada, muitas vezes proveniente de comunidades de baixa renda, enquanto enriquece uma elite que reside em exílios luxuosos, distante das consequências de sua ganância. Embora a erradicação completa do tráfico de drogas possa parecer uma meta inalcançável, mitigar seus impactos, que vão desde a insegurança cotidiana até a desestabilização da sociedade como um todo, exige um esforço conjunto, conscientização ampla e a utilização de todas as ferramentas democráticas disponíveis.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores