Todas as cores marchando de colores…

Movíamos rapidamente na rodovia Route 86, em direção a cidade de El Centro, próxima a fronteira mexicana. Salton Sea, o maior lago da Califórnia, à esquerda. Calor insuportável, 69 metros abaixo do nível do mar. Superfície da estrada parecia ser betume líquido, uma miragem. Chegaríamos a nossa nova realidade, em menos de vinte minutos…

Grupo de trabalhadores rurais, todos mexicano-americanos. Estátua de Nossa Senhora de Guadalupe, venerada e adorada, em um altar improvisado. Completavam a decoração, dois vasos de flores. Cantavam a canção do movimento “cursillista”.

“De Colores,

De Colores é a primavera florindo caminhos

De Colores,

De Colores são todas as flores são os passarinhos.

De Colores,

De Colores é o arco-íris, caminho de luz…

Venham todos que este é o caminho, cantemos louvores a Cristo na Cruz”…

Explicaríamos porque estávamos na cidade, após as preces. Promoção de direitos civis e avanço econômico das comunidades excluídas, majoritariamente mexicano-americanos. Incrédulos, temiam reações negativas dos rancheiros e da emigração. O Senador e candidato presidencial Robert Kennedy, quando se reuniu com Cesar Chavez e seguidores na cidade de Delano, havia abraçado “La Causa”, em Maio 1968. “¡Si, Se Puede!”. Asseguramos aos trabalhadores. Não estávamos sós…

Cético sobre as organizações de trabalhadores rurais, o padre afirmou enfaticamente que não permitiria que os “cursillos” fossem instrumentalizados por “agitadores externos”. “Focos de sindicalismo”, seriam o resultado do nosso projeto. “Rapidamente criam problemas e partem quando a situação se complica no campo, o povo sofre sozinho”. Éramos parte da guerra contra a pobreza. Organizar sindicatos com verba federal não era permitido, reiteramos. Manuel, nosso companheiro, era um primo-irmão de Cesar Chávez, aceitamos o argumento do padre sem debatê-lo. Convocaria uma reunião dos “cursillos”, o pragmatismo venceu…

Sede social da comunidade no “outro lado” da linha do trem. Básico, a única palavra suficientemente abrangedora para descrever o local. Explicamos o propósito da nossa visita. Descrevemos a metodologia que usaríamos para coletar e analisar informações. Formamos vários grupos. Discutiriam os problemas da comunidade; tentariam chegar a um consenso sobre os mais complexos e urgentes. Apresentariam planos de trabalho e recomendações na sessão plenária.

Desemprego ou subemprego era o problema mais sério, 25% da força laboral, todos concordaram. A importação de mão de obra mexicana, chamados de “braceros”, e a sazonalidade do setor agrícola não criavam condições propicias para uma melhoria da situação. Sindicalização era a resposta. Permaneceram silenciosos sob os olhos vigilantes do padre. Próximo problema…

Indiscriminadamente vendia-se cola de aeromodelos à menores de idade. Comerciantes e policia discutiam o problema com os “cursillos”, sugerindo que fossem mais responsáveis com seus filhos. O poder não sentia nenhuma a menor empatia com o problema da comunidade. Janela de oportunidade aberta. Causa suficientemente inofensiva para aqueles que temiam qualquer tipo de organização comunitária. Os “cursillistas” recomendaram mobilização total contra aqueles que comerciavam o produto. Proposta aprovada unanimamente, com o apoio entusiástico do padre. ““Torta de maçã, mamãe e a pátria”, todos nos apoiariam. Marcharíamos juntos pelas ruas da cidade em 12 de Dezembro, à festa de Nossa Senhora de Guadalupe.

Cerca de trezentas pessoas caminhando juntos, mais procissão do que protesto. Banda de Mariachis na vanguarda, seguida do andor, bandeiras das ordens laicas, homens e mulheres vestidos em trajes tipos. Multidão multicolorida, de colores. Protegidos pela policia, aplaudidos pela comunidade. Visitando lojas, entregando petições aos comerciantes, o Xerife nos acompanhava, informando que apoiava as demandas dos manifestantes. Vários comerciantes acataram a proposta, retirando o produto das prateleiras. O prefeito e os conselheiros receberam a marcha nos degraus da Prefeitura, solidários com a comunidade.

Vitória total, talvez a próxima causa fosse, finalmente, “La Causa”…

California 1968