Beco estreito entre o mercado de frutas e a venda de galetos. Linha de estátuas: mulheres com bacias de plástico no colo. Fardos de vagens de feijão verde e caixas de frutas empilhadas ao redor. Olhos fixos nos mostruários. Mãos movendo-se mecanicamente, sem nenhuma variação ou pausa. Mães das feirantes, avós das crianças, que as ajudavam. Vítimas de uma distribuição social do trabalho infame, todas. Tempos modernos que ainda são os velhos tempos. Sempre sorrindo…
“Se você sorri/Com seu medo e tristeza/Sorria e talvez amanhã/Você descobrirá que a vida ainda vale a pena/Se você apenas Sorrir”…
Manhã cinzenta. Estrutura metálica do mercado pobremente mantida. Goteiras no teto de zinco aumentando a sensação de fragilidade. Chuva escoando pela pequena vala no centro do beco, acompanhada pela fetidez da água do abatedouro. Pausa temporária, conversa animada sobre as Festas. Multicoloridas frutas e hortaliças completava a mise-en-scène. Mulheres prisioneiras dos frutos da terra. Mãe Terra.
Mulher de meia idade, pele curtida pelo sol, rugas prematuras, conversando animadamente com o comprador de amendoim cozinhado. Mãe de três filhos, todos “flanelinhas” nas imediações do mercado. “São homens trabalhadores, honestos”, confidenciou. Orgulho maternal tão grande quanto o sorriso iluminando seu rosto. Trocamos mensagens de Boas Festas.
Voz infantil nos chamou. Filha de uma das feirantes. Moveu-se em nossa direção. Saltitando, como se brincando virtualmente de academia. Agradeceu o nosso presente de Natal: um vestido cor de rosa. Olhos inteligentes. Comunicou prontamente, antes que perguntássemos os resultados das provas finais, como se justificando nossa generosidade. Quer ser uma “artista” quando crescer, nos informou. Apoiando e desaprovando ao mesmo tempo, a mãe sorriu. “Ela está se dando bem na escola”, comentou. Voltou aos seus sonhos e livros de desenho, junto com a sua melhor amiga.
Lembranças da África: avós instaladas em quiosques, vendendo frutas e vegetais. Filhas e netas ajudando a acumular patrimônio para usar como dote, quando chegassem à idade de casamento, na adolescência. Rodeadas pela pobreza opressora e pouca expectativa de uma longa vida. Progresso parecia ser algo inaccessível. Lugar distante, contexto diferente, mesmo gênero.
Final do mercado. Gôndolas bem sortidas, prontas para a época natalina. Grupo de mulheres jovens e crianças organizando os mostradores. Sentadas em tamboretes nos corredores, mulheres de meia-idade empacotam espigas de milho em bandejas de isopor, descaroçam jaca e organizam macaxeiras em pequenas embalagens, todas trabalhando.
Homens entram e saem com caixotes. Mulher jovem conversando animadamente com dois clientes. Conhecida por todos pelo seu apelido de infância. Era uma criança tagarela, explicou justificando o cognome, quando perguntamos sua origem. Ambiciosa e organizada, seus pais haviam iniciado o negócio, sempre em expansão. Equidade social gerada pela iniciativa e competência de uma família concêntrica, bem liderada.
Lembranças da nossa infância: a vendedora de coentro e cebolinha de porta em porta pelas ruas do bairro; mulher negra, obesa, carregando um balaio de bananas equilibrado precariamente em uma rodilha na cabeça; parecendo sempre triste, outra mulher vendia suspiros na esquina da rua; moenda de cana, líquido verde escorrendo sedutoramente pela calha. Copos sempre lavados e enxugados com zelo. Como terminaram seus dias? E as meninas que as acompanhavam?
Meninos de rua passam entre os boxes. Desobediência e desdém partem do solado inadequado das sandálias em seus pés. Gingado do malfeitor. Olhares furtivos, inseguros. Tensão. Passando às vezes sem deixar rastro.
A chuva cessou. O mercado voltou ao normal, como se alguém houvesse ligado uma turbina. Fábrica sem apito. Todos sorriam antecipando as vendas do dia. Sorria e talvez amanhã..