Suspeitos habituais

Sucesso nas matinés do cinema do bairro, o filme “O Garoto” contava a história e aventuras tragicômicas de um vagabundo desajeitado e seu protegido, um menino de rua, abandonado pela mãe quando ainda recém nascido. Sobrevivendo à constantes perseguições das autoridades, encontrando refúgio nos labirintos de becos escuros, lugares esquálidos e esconderijos de prófugos e indesejáveis. Correndo de policiais com expressões faciais severas, seus cassetetes balançando ameaçadoramente, atormentando o miserável cotidiano da inusitada dupla. Eventualmente se evadiam ou ridicularizavam seus algozes: risos, gritos e aplausos de adolescentes.

Personagens criadas por Charles Chaplin, dramatizando situações que refletiam a origem humilde e as vicissitudes do seu criador. Desconfiança e antipatia por policiais ou autoridades, temas transversais no seu trabalho artístico, excluindo qualquer possibilidade de interações positivas ou mutualmente beneficiais, entre as autoridades e as vitimas de exclusão social na Inglaterra Vitoriana. Atitudes e estereótipos sobrevivendo mais de um século de mudanças e progresso social.

Adolescentes em comunidades policiadas ostensivamente com requintes de ocupação castrense, continuam correndo à procura de lugares para driblar ou se esconder de um policial que transforma a possibilidade de uma mera suspeita em uma atividade criminosa ou justificação para uma conduta arbitrária. A fuga dos adolescentes provoca reações com armas de fogo, muitas vezes com desenlaces trágicos e efeitos nocivos à convivência pacífica entre vítimas de exclusão social e forças policiais responsáveis pela sua proteção.

Ações letais justificadas pela suposição de que os suspeitos haviam cometido ou estavam no processo de cometer uma ação criminosa. A frequência e o número de mortes questionáveis em tais encontros, tanto no exterior como no Brasil, tem motivado demandas de organizações de direitos humanos e a própria Organização das Nações Unidas. Recomendam enfatizar o seguimento estrito da regra da evidência e questionam os chamados “atos de resistência” usados para isentar policiais suspeitos de aplicar força desproporcional ou apreensões arbitrárias.

Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores