Sobre a morte e o viver

Semicírculo de pessoas vestidas de negro formando um cinturão solidário à espera de um ataúde, percebemos logo que havia pouco convívio entre os lamentadores e aqueles em rígida atenção na periferia do receptivo fúnebre. Cruzando as mãos sobre a região pubiana, homens ofereciam conforto solenemente e as mulheres demonstravam mais intimidade e engajamento com o rito de despedida de um ser humano que já não era mais. “ Requiescat inpace ” proclamava o epitáfio no portal do Cemitério da Recoleta. Gradualmente o dia descansou coberto por uma cornucópia de tons dourados e traços aleatórios de cores lavanda e rosa, toque de retirada silencioso…

Grupos de turistas brasileiros desembarcando de ônibus de excursões, seguindo apressadamente em direção a entrada do cemitério. Vestidos casualmente e comportando-se gregariamente passaram quase despercebidos pelo grupo vivendo seu momento de luto, a caminho do mausoléu mais famoso e visitado: o túmulo de Evita Perón. Transformariam a breve visita em uma oportunidade fotográfica, um ˜selfie” diante do ícone máximo do populismo peronista e do cult universalizado pela beleza da canção tema de um show musical da Broadway. Sabiam muito pouco, talvez nada sobre os “descamisados” de Evita, alguns repetiriam os acordes mais familiares de ˜Don’t cry for me Argentina” como um mantra. O dia seria para todos, mortos ou vivos…

Promovidos como atrações turísticas os cemitérios de Buenos Aires recebem milhares de visitantes em busca de proximidade às celebridades como Carlos Gardel no Cemitério da Chacarita ou Evita Perón no seu homônimo da Recoleta. Crônicas de tempos passados como aquela sepultada no belíssimo mausoléu de Salvador e Tibúrcia Del Carril na Recoleta, escondem demônios e segredos dos momentos de amargura de duas pessoas que conviveram em silêncio por trinta anos. Estátua do marido olhando na direção sul, a esposa para a direção oposta a sua nêmese como determinara antes de morrer. Seguiram separados pelo ódio até a eternidade, nem a morte os uniu…

Palmarí H. de Lucena, União Brasileira de Escritores