Setenta e cinco anos

Acordamos pensando em Lisboa, ou melhor, pensando na tristeza enrustida nos fados, nas lembranças de coisas portuguesas. Palavra única nossa, saudade é o DNA lexicológico da língua portuguesa. “Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal! “. Setenta e cinco anos na terra da saudade, sem remoer aquelas alegrias, tristezas ou mudanças que passaram ou feneceram nas encostas do nosso caminho. Palavras de Camões explicam tudo: o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Tábula rasa …

Subiríamos a ladeira da Torre da Regaleira revivendo os dias passados, as arvores, as fontes e os jardins guardiões de castelos misteriosos quase sagrados. Ódios e amores convivendo como placas tectônicas. Chegaríamos ao topo com o vigor ofegante de anos bem vividos, diante de nós o Castelo dos Seteais. Palco do desfecho trágico do romance da princesa muçulmana Anasir com um nobre cristão português. Lendas virando tragédias, tragédias virando lendas. Vivíamos o mesmo dilema nos tempos modernos, somos vítimas da intolerância e suas paixões irracionais.

Faríamos um pequeno desvio na curva da ladeira para almoçar no Hotel Lawrence’s, visitando personagens dos Maias de Eça de Queiroz. Carlos da Maia convidando seu amigo Cruges para jantar, pretexto para encontrar-se com sua amante Maria Eduarda, a deusa da sua paixão incestuosa. Acompanharíamos a Peregrinação de Childe Harold, Lord Byron narrando poeticamente as reflexões e as viagens de um homem desiludido à procura de salvação em terras estrangeiras, um herói inteligente, perceptivo e adaptável às mudanças. Procurando, sempre procurando.

Passagens por Portugal sempre vivenciando algum ritual ou marco de vida. Companheiros na próxima etapa na cronologia da nossa vida, nossos filhos ficariam com a memória de uma aventura como adultos. Duas décadas atrás, atravessamos campos de girassóis e árvores de sobreiro em busca das nossas origens em Córdoba. Como um legado, ficaram muitas lembranças. E aqui se aprende a dizer saudade…

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores