Ao cruzar os campos verdejantes de Sapé, é como se o próprio tempo se dobrasse sobre si mesmo, trazendo à tona as vozes do passado. Terra fértil, que um dia foi dominada pelo ciclo implacável da cana-de-açúcar, Sapé preserva em suas ruas e paisagens a memória de lutas e poesias, resistências e silêncios. E no centro dessa trama histórica, ergue-se o nome de Augusto dos Anjos, o poeta das sombras, que encontrou no solo sapeense o cenário de suas primeiras reflexões.
Os versos de Augusto são como um espelho da alma, refletindo as profundezas humanas e revelando seus cantos mais sombrios. Sob a sombra de um tamarindo, sua árvore eterna, Augusto dos Anjos capturou a essência da dor e da existência. “Nem sei o que murmura ou o que chora… Se é a queixa dos ventos soluçantes, Se o rumor das folhagens sussurrantes Ou a queixa do rio que ali chora…”. Suas palavras ecoam como uma melodia perdida, conectando o passado ao presente de Sapé, uma cidade que respira a história em cada esquina.
O memorial dedicado ao poeta está integrado ao cotidiano de Sapé, harmonizando-se com a modesta casa da ama de leite Guilhermina, a capela de São Francisco e as silenciosas ruínas da Usina Santa Helena. As antigas casas dos trabalhadores, voltadas para a usina, ainda permanecem de pé, testemunhas silenciosas de um tempo de labuta e esperança.
Nas plantações que se estendem ao longe, o verde das canas-de-açúcar persiste, lembrando o ciclo agrícola que moldou a vida local. Mas o aroma doce do açúcar, que um dia permeava o ar, já não existe mais, substituído pelas memórias de um tempo que, embora distante, nunca se desfez por completo.
Sapé carrega em seu nome a história de um capim que iluminava as noites dos povos indígenas, uma metáfora perfeita para uma cidade cujas raízes estão profundamente entrelaçadas à sua terra. Destas mesmas raízes emergiram as Ligas Camponesas, um movimento que colocou os trabalhadores rurais em uma luta incessante por justiça social. No Memorial das Ligas Camponesas, que ocupa a antiga casa das lideranças do movimento, o espírito de resistência e solidariedade ainda ecoa, lembrando as conquistas em educação, saúde e direitos trabalhistas.
Caminhar pelas ruas de Sapé é ser transportado por uma tapeçaria de memórias, onde o progresso e a opressão se entrelaçam, formando um cenário repleto de contrastes. As avenidas carregam nomes que homenageiam a história da cana-de-açúcar, enquanto um relicário singelo celebra seu filho mais ilustre, Augusto dos Anjos, cujo legado se estende muito além das fronteiras da Paraíba.
E assim como as palavras do poeta, que ressoam eternamente, Sapé se revela como um lugar onde o passado nunca está distante, mas sempre à espreita, aguardando para ser descoberto por aqueles que se aventuram a ouvir as histórias sussurradas pelos ventos, entre as folhas das árvores e nas ruínas silenciosas de uma era que já se foi, mas que jamais será esquecida.
Palmarí H. de Lucena, “Paraíba do Alto: Histórias e Imagens Aéreas”