O Congresso Nacional está atualmente discutindo em regime de urgência o Projeto de Lei 1904/24, que propõe equiparar o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio simples, mesmo nos casos em que a gravidez resultou de estupro. Essa proposta representa uma mudança significativa no Código Penal, que atualmente não penaliza mulheres que interrompem a gravidez em casos de estupro ou risco à vida da gestante, independentemente do tempo de gestação.
Se aprovado, este projeto de lei simboliza um grave retrocesso na proteção dos direitos das mulheres, especialmente em um país onde a vida feminina já está constantemente sob ameaça. Dados alarmantes mostram que o aborto é a quarta principal causa de mortalidade materna no Brasil, com mulheres negras sendo 46% mais propensas a recorrer ao procedimento. A Pesquisa Nacional do Aborto e o levantamento “Aborto e Raça no Brasil” deixam claro o impacto desproporcional dessa criminalização sobre a população negra.
A criminalização do aborto cria um ambiente de estigmatização. Mulheres, pessoas gestantes e profissionais de saúde ficam receosos de discutir e compartilhar informações sobre o tema, resultando em menos acesso a informações de qualidade e, consequentemente, no aumento da mortalidade materna devido a abortos inseguros. Esse clima de medo compromete os direitos sexuais e reprodutivos, como a contracepção e o planejamento familiar, e prejudica a disseminação de dados essenciais sobre saúde pública.
Além disso, a criminalização fragiliza o debate público sobre os direitos sexuais e reprodutivos. Ela gera um ambiente propício à perseguição de jornalistas e defensores de direitos humanos que se propõem a divulgar informações de interesse público. A disseminação de desinformação torna-se uma arma contra os direitos das mulheres, dificultando ainda mais a luta por igualdade e justiça.
Os direitos reprodutivos são essenciais para que as mulheres desfrutem de seus direitos humanos. Esses direitos estão centrados na capacidade das mulheres de fazer as melhores escolhas para suas vidas, incluindo o número de filhos que desejam ter, se algum, e o espaçamento entre os nascimentos de seus filhos. Os direitos reprodutivos incluem serviços pré-natais, parto seguro e acesso à contracepção. Eles também incluem acesso ao aborto legal e seguro. Proibições ao aborto violam os direitos de estar livre de violência, à privacidade, à família, à saúde e até mesmo o direito à vida.
Convém ressaltar que o Estado laico garante a liberdade de culto religioso e assegura a não interferência de qualquer culto religioso em matérias sociopolíticas, econômicas e culturais. Isso significa que, enquanto o Estado laico garante a liberdade religiosa para todos os cidadãos, também assegura que nenhuma religião influenciará as decisões tomadas pelo Estado. Se todos os cidadãos possuem liberdade religiosa, isso implica que não se pode impor uma religião sobre outra, nem dogmas de religiões majoritárias sobre religiões minoritárias dentro de um Estado laico. Por essa razão, o Estado deve ser completamente neutro no campo religioso em suas decisões.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores