Ao adentrarmos a história de Serraria, somos conduzidos por um caminho entrelaçado pela coragem e pela determinação dos colonizadores que, no início do século XVIII, fincaram as primeiras raízes nessa terra. A Missão de Santo Antônio da Boa Vista marcou o ponto de partida de um legado que ressoa até hoje, simbolizando os primeiros passos de um desenvolvimento que se consolidou ao longo dos séculos.
O engenho foi o coração pulsante de Serraria. Em 1850, Joaquim José Pereira de Melo, conhecido como Quinca da Baixa Verde, trouxe um novo fôlego à economia local ao fundar o “Engenho Velho” para a produção de rapadura. Esse empreendimento não só estimulou o progresso econômico da região, mas também simbolizou o espírito empreendedor que moldaria a história da cidade. No entanto, é preciso lembrar que a força de trabalho que sustentava essa economia vinha, em grande parte, da mão de obra escrava. Os engenhos da região, como em tantas outras partes do Brasil colonial, dependiam do trabalho forçado de negros escravizados, que viviam e trabalhavam em condições duríssimas, compondo o alicerce dessa prosperidade.
Em 1851, a construção de uma serraria por Manoel Birindiba deu nome ao município e lançou as bases de um novo ciclo de crescimento. A serraria trouxe dinamismo econômico e ajudou a firmar a reputação de Serraria como um centro produtivo. Ao longo dos anos, a cidade expandiu sua agricultura e industrialização, chegando a exportar agave para a Europa e a abrigar até 42 engenhos que produziram rapadura e cachaça até a década de 1980. Mesmo após a abolição da escravatura, o legado do trabalho forçado permaneceu enraizado na cultura e na estrutura social local.
O patrimônio histórico de Serraria está gravado em seus monumentos e em sua arquitetura. A Matriz do Sagrado Coração de Jesus e a Praça Antônio Bento, com seu obelisco e roda de moinho, são testemunhas da importância dos engenhos na história local. O Portal da Glória, homenagem ao ex-combatente José Diogo Pereira, marca o retorno de um herói da Segunda Guerra Mundial, um dos poucos monumentos no Nordeste dedicado a um membro da Força Expedicionária Brasileira.
O Engenho Baixa Verde, construído em 1883 por Joaquim José Pereira de Melo, é um dos mais impressionantes exemplos da arquitetura colonial rural do Nordeste. Suas estruturas originais, que incluem a casa-grande, a capela, a senzala e o alambique para a produção da famosa Cachaça Vila Real, são um testemunho vivo do passado. A senzala, em particular, é um triste lembrete da escravidão que sustentava o ciclo produtivo dos engenhos, preservando a memória da resistência e do sofrimento daqueles que foram forçados a trabalhar nessas terras. Cada detalhe arquitetônico do engenho, desde as “eiras e beiras” nas fachadas até os ricos ornamentos esculpidos, remete a um tempo em que o engenho era o centro da vida social e econômica da região.
Visitar o Engenho Baixa Verde é embarcar em uma viagem no tempo. Sua grandiosidade preserva a história e a cultura de uma época, permitindo que os visitantes se conectem com a herança dos antigos engenhos. O local não é apenas um marco do passado, mas um reflexo do valor cultural e histórico que Serraria carrega, lembrando que a riqueza gerada por esses engenhos também traz consigo uma história de exploração e desigualdade.
Ser “serrariense” é mais do que um rótulo geográfico; é pertencer a uma história rica, moldada por gerações de trabalhadores, visionários e escravizados que transformaram a cidade em um símbolo de resiliência e progresso. Preservar essa herança, representada pela cultura dos engenhos, pelo patrimônio arquitetônico e pela memória da luta dos escravizados, é uma missão que continua viva na memória e no orgulho de cada habitante de Serraria.
Palmarí H. de Lucena, “Paraíba do Alto: Histórias e Imagens Aéreas”