Réquiem para um amigo

Grinaldas multicoloridas quebrando a tristeza monótona do velório, soluços e choros abafados, comentários sussurrados. Restos mortais preparados para a despedida final, semblante congelado pela máscara da morte, mãos cruzadas sobre o peito. Próximo à parte superior do ataúde, pessoas imersas em pensamentos ou chorando, parecendo às vezes estar conversando com o corpo inerte, último momento de intimidade. Tristeza espalhando-se pela periferia da sala, familiares, amigos de infância, colegas de profissão, pessoas humildes. Todos tinham algo a dizer, como se revivendo a tristeza de Marco Antônio no funeral de César. “[…] Mas eu tenho que falardaquilo que eu sei. Vocês todos já o amaram e tinham razões para amá-lo.Qual a razão que os impede agora de homenageá-lo na morte? […]”.

Lembranças dos cortejos fúnebres de alhures. Procissões de parentes e amigos caminhando em silêncio pelos becos do campo-santo, reconhecendo lajes, túmulos e mausoléus de pessoas queridas ou famosas. Cores do luto competindo com a austeridade cinzenta do granito ou a discrição fria do mármore. Religiosos de vozes solenes e palavras confortantes enaltecendo a paz universal, a rota final do ente querido. Reunidos ao redor da cova cheirando a terra fresca. Escrevíamos os anais da história e do nosso patrimônio cultural, hoje abandonados pelo descaso do poder público, criminalização de espaços funerários e a privatização do último ritual da pessoa humana.

Hoje tudo mudou, enterramos nossos mortos e ao mesmo tempo decretamos a morte da história. Contemplamos o amplo espaço fúnebre, pequenos retângulos escuros marcando no chão o lugar do descanso de pessoas e famílias. Jazigos comprados à preços módicos, investimento seguro, padronização da nova ordem funerária.

Olhamos pela última vez para o corpo inerte do nosso amigo. Velório terminado, ataúde transportado imediatamente para um crematório. Lembramos de muitas coisas, alegres e tristes, momentos da nossa convivência. Memórias de um homem corajoso, determinado em sobreviver, vivendo bem e totalmente, mesmo sabendo das limitações físicas que o levariam a caminhos árduos e perigosos pelo resto da vida. Morreu no tempo de Deus. Todos vão para o mesmo lugar; viemos todos do pó, e ao pó voltaremos.

Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores