Relevância da pauta social e mudanças de narrativas, transformaram as eleições municipais em um referendo sobre dois tipos de política: uma enfatizando questões de costumes e segurança, a outra temas de saúde, emprego e educação. Acachapante derrotas de candidatos pegando morcego no último vagão do trem bolsonarista, demonstraram claramente a inviabilidade de fidelizar o eleitorado indeciso ou conservadores tradicionais com retórica tóxica, politicagem transacional, fake news ou anúncios contraditórios sobre a covid-19, reformas e medidas para turbinar a economia.
A crise econômica que já dura mais de seis anos com poucas soluções, somou-se a preocupação crescente sobre o impacto da covid-19 na saúde pública, sem nenhuma solução definitiva à vista para os dois problemas e seus desdobramentos. Fatores que motivaram o eleitor a depositar seu voto em candidatos que apresentaram propostas claras ou pelo menos mostraram um histórico de intervenções bem sucedidas em áreas como saúde, educação e emprego. Candidatos à esquerda ou à direita, que optaram por essa narrativa durante a campanha eleitoral, foram eleitos ou obtiveram resultados politicamente importantes, apesar de derrotados nas urnas.
Expectativas do eleitorado mudaram o estilo e substância das campanhas de 2020, contrariando a tendência de rotular questões sociais como temas esquerdistas ou enfatizando a predominância do mercado na solução de problemas econômicos, como na bem-sucedida campanha direitista de 2018. Ao analisar a campanha de Bruno Covas em São Paulo, por exemplo, o cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concluiu que “mais de 80% do tempo de TV do candidato foi dedicado a questões sociais”, algo similar a campanha de Guilherme Boulos, contrastando a abordagem de João Doria em 2018, que usou menos da metade do tempo em questões sociais, enfatizando seu quinhão de arauto do antipetismo.
Descolamento da direita tradicional do extremismo e adoção de políticas centro-direitistas, ganhou espaço na disputa por votos com a esquerda, que passa por um processo de renovação e maior diversidade. Eduardo Paes foi enfático ao declarar que “[…] Esse governo que acaba foi ruim na gestão, piorou a vida das pessoas e fez mal a tanta gente”, sentimento imbuído no pronunciamento do seu correligionário Deputado Rodrigo Maia ao afirmar que, “[…] Esse clima de raiva, de muito ódio não fez bem ao Brasil e nem aos cariocas, vamos mudar isso daqui pra frente.” O povo votou por prefeitos da mesma maneira que escolhem um sindico do condomínio, eles querem serviços de qualidade, empatia com problemas do dia-a-dia e, acima de tudo, uma gestão eficaz dos bens comuns.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores