Raposas, santos e dervixes rodopiantes…

Companheiros de um passeio de balão sobre Goreme, na Capadócia, éramos vinte e quatro pessoas. Os ventos da manhã cooperavam, estávamos no ar em poucos minutos. Deslizamos suavemente acima das famosas “chaminés de fadas”. Balões coloridos quebrando o azul do céu no amanhecer. Indescritível sensação de leveza. Comungávamos silenciosamente com o universo, nosso olhar acompanhando uma raposinha correndo freneticamente, tentando escapar da sombra do balão…

Terra firme. Uma senhora argentina estava inquieta. Sem desconforto ou prefácio perguntou a Yako Misiel: “Quando vamos visitar uma família troglodita?” O guia respondeu, sem maiores explicações, que achava que não seria possível.

Entramos nos lugares onde os cristãos foram forçados a esconder-se dos romanos até o ano 313 d.C. Em cavernas antes habitadas por trogloditas, construíam suas comunidades, formando pequenas igrejas em suas próprias casas. Ecclesia Domestica, a casa de Deus, a fé movendo-se dentro das montanhas. Pausadamente, costas curvadas e respiração quase chegando ao limiar aeróbio, carregávamos o enorme peso da história diante de nós. Luz e paz nas cavernas, raposinhas fugindo da escuridão…

Partimos na manhã seguinte em direção a Konya, a Icônio de Paulo de Tarso. Durante sua primeira visita a cidade, o apóstolo converteu uma multidão de judeus e gregos, após pregar em uma sinagoga. Outros judeus e gentios, não convertidos, se amotinaram para apedrejá-lo. Fugiu da cidade, deixando o cristianismo estabelecido.

Viajamos doze séculos, em menos de um dia. Estávamos às portas do santuário da Ordem Sufi Mavlevi, os dervixes rodopiantes seguidores de Mevlana Jelaleddin Rumi, o grande pensador e filósofo sábio místico. Discípulos e seguidores promovem tolerância religiosa, aceitando todas as religiões como verdadeiras. Buscam um modo de vida com realização da unidade e da presença de Deus por meio do amor e do conhecimento baseado na experiência. Ao visitarmos o mausoléu do grande mestre, refletimos sobre o misticismo e o significado da cerimônia sagrada de adoração e meditação em movimento, a dança que os dervixes rodopiantes chamam de Sema. Nossa próxima parada…

Chegamos ao entardecer no caravançarai de Sarihan, o local onde se realizava a Sema dos dervixes de Konya. Construída no século 12, estrutura imponente, próximo à cidade de Avanos. Servia originalmente como uma hospedaria para caravanas viajando na antiga Rota da Seda. Abrigava os viajantes e seus animais indiscriminadamente. Verdadeiro oásis de paz e livre comércio, no meio de uma região onde hostilidades entre os povos era a moeda comum. Um lugar perfeito para a cerimônia da Sema que estávamos prestes a presenciar…

Entraram sutilmente, os músicos que acompanhavam a cerimônia. Movendo-se com gestos lentos e silenciosos, dez dervixes começaram a rodopiar, mal havíamos notado suas presenças. Som estridente de uma flauta de bambu, seguido por música densa e cadenciada. Dançarinos giravam sobre um pé, ao redor do coração, da direita para a esquerda. Erguida em direção ao céu, a mão direita pronta pra receber as graças de Deus; rosto inclinado para a mão esquerda virada em direção a terra, dando o que receberam aos pobres. Estavam em transe, haviam alcançada a perfeição que tanto procuravam…

Sentíamos como se estivéssemos hipnotizados, girando mentalmente ao redor do nosso próprio corpo, procurando algo na imensidão da noite estrelada da Capadócia. Atravessamos o pátio do caravançarai em direção à área iluminada, em frente ao pórtico de entrada. Mirando da escuridão, dois pequenos pontos luminosos, raposinha, dervixes e todos nós procurávamos luz…

Turquia 2007