Conheci, em meados da década de 1980, no café de um hotel no Leme, um empresário espanhol que se identificou como ex-presidente do Fluminense. Entre as histórias que me contou, havia uma que afirmava que existia um acordo com a antiga CBD que limitava a três o número de jogadores negros em campo em jogos da seleção nacional. Segundo meu interlocutor, essa prática durou muitos anos. De fato, no governo de Washington Luís, a seleção só escalava jogadores brancos em partidas na Argentina.
A discriminação racial no futebol brasileiro continua sendo uma realidade alarmante e persistente. De acordo com uma pesquisa realizada em 2023, 41,8% dos jogadores e trabalhadores negros do futebol no Brasil relataram ter sido vítimas de racismo durante o exercício de suas atividades esportivas. Esses atos discriminatórios incluíram insultos, “piadas” e ataques, ocorrendo principalmente nos estádios (53,9%), seguidos por redes sociais (31,4%), centros de treinamento (11,4%) e, em menor grau, em hotéis (3,3%). Esses dados foram coletados pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
O relatório, baseado em uma consulta online com 508 trabalhadores (28% mulheres) das duas primeiras categorias do futebol masculino e feminino, além de membros da comissão de arbitragem, foi realizado entre julho e agosto de 2023, com o apoio da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e da empresa esportiva Nike. A pesquisa voluntária e anônima destacou a necessidade de mais campanhas educativas e punições mais rigorosas.
O problema do racismo no futebol não se restringe ao Brasil. Nas competições organizadas pela Conmebol, como as Copas Libertadores e Sul-Americana, as denúncias de racismo em 2023 já haviam superado as de 2022. Até então, foram registradas 18 denúncias, comparadas a 12 no ano anterior, enquanto entre 2014 e 2021 foram 39 denúncias, com Brasil e Argentina concentrando a maioria dos incidentes. Os clubes mais citados incluíram Independiente e Boca Juniors, da Argentina, e Olimpia, do Paraguai, cada um com dois casos registrados.
Observou-se um crescimento de denúncias de racismo em competições sul-americanas, principalmente relacionadas a jogadores brasileiros, o que aparenta ser um reflexo do debate crescente sobre racismo no Brasil e no futebol. Apesar do aumento das denúncias, as punições ainda eram insuficientes. Desde 2022, a Conmebol aumentou a multa por casos de racismo de US$ 30 mil para US$ 100 mil. No entanto, apenas 8 dos 18 casos registrados em 2023 foram julgados e resultaram em punições.
O futebol brasileiro, assim como o sul-americano, ainda enfrenta grandes desafios na luta contra o racismo. A conscientização e as medidas punitivas são passos importantes, mas é essencial que se continue a trabalhar para garantir um ambiente verdadeiramente inclusivo e respeitoso para todos.
Palmarí H. de Lucena