O renascimento dos psicodélicos no cenário político e médico americano revela uma aliança inesperada: antigos símbolos da contracultura agora seduzem os bastiões do poder conservador e da elite high-tech. O editorial do New York Times alertou para o risco crescente de que a administração Trump, com Robert F. Kennedy Jr. à frente do Departamento de Saúde, promova uma desregulamentação acelerada do uso médico de substâncias como MDMA e cetamina — ignorando os alertas da própria FDA, que em 2024 recusou a aprovação do MDMA para o tratamento de estresse pós-traumático, citando falhas graves nos estudos clínicos da Lykos Therapeutics.
A inquietação não é apenas científica, mas também ética. As promessas de cura emocional agora se misturam ao culto do desempenho. Nomes como Elon Musk já admitem publicamente o uso regular de cetamina — “uma vez a cada duas semanas”, segundo o próprio bilionário. No Vale do Silício, a droga passou a ser vista como ferramenta de criatividade e controle emocional. Clínicas de aplicação rápida, telemedicina e promessas de “insights transformadores” explodiram em número, mesmo com evidências de que o uso contínuo pode levar a dissociação, problemas cognitivos e urinários. O caso da morte do ator Matthew Perry, associada ao uso inadequado de cetamina, é um alerta ignorado por muitos.
Essa proximidade entre o experimentalismo da elite tecnológica e a ambição de desregulamentação política é perigosa. A filosofia do Vale do Silício conhecida como “move fast and break things” — traduzida livremente como “avançar rapidamente e quebrar o que for preciso” — pode ter funcionado no mundo dos algoritmos e das redes sociais, mas torna-se temerária quando aplicada ao campo da saúde mental. O cérebro humano não é um software que pode ser reiniciado; a dor psíquica não se resolve com um atalho de inovação.
No Brasil, a Anvisa tem sido mais prudente. Autorizou o uso de cetamina apenas sob estrito controle clínico para depressão resistente, e observa com cautela os debates internacionais sobre o MDMA. A agência acerta ao exigir evidências sólidas e protocolos rígidos. Afinal, a maioria da população brasileira não terá acesso aos retiros terapêuticos luxuosos frequentados por milionários nem ao suporte psicológico pós-crise que seus financiadores desfrutam.
A medicalização dos psicodélicos pode de fato revolucionar o tratamento de transtornos mentais. Mas sua banalização, impulsionada por interesses econômicos e vaidades tecnolibertárias, corre o risco de banalizar também o sofrimento humano. A ciência deve seguir um caminho transparente, ético e inclusivo — não ser refém de messianismos bioquímicos embalados por promessas fáceis de salvação emocional.
Por Palmarí H. de Lucena