Reagindo a invasão militar da Ucrânia, os Estados Unidos, União Europeia e aliados, impuseram e continuam impondo sanções para excomungar a Rússia do cenário mundial, com isolamento financeiro, comercial e cultural da 11a economia do mundo. Congelando ativos externos retidos por seu Banco Central, diminuindo a capacidade de estabilizar a moeda nacional, o rublo, já desvalorizada em 50%, impondo novas restrições a importação de petróleo. Medidas improcedentes contra um país da estatura da Rússia, uma espécie de experimento em retribuição moral. Putin tentou expandir o império russo usando a força coercitiva do poderio militar, conseguindo o oposto, a diminuição da influência do País através de uma mostra sem precedentes do poder de convencimento global, o uso coordenado da “softpower” das grandes democracias ocidentais e organizações multilaterais.
Efeitos imediatos destas ações são alarmantes. Nos dois lados desta nova cortina de ferro, os preços das commodities estão subindo vertiginosamente, enquanto indicadores econômicos estão em queda livre, o preço do petróleo no mercado mundial subindo a um nível intolerável. Aumento do preço de energia no atacado supera recordes históricos, recessão europeia já é quase uma certeza. Estamos no começo de uma crise em longo prazo, não sabemos como precificar o impacto das medidas punitivas, quanto tempo elas vão durar ou as consequências não intencionais destas ações na economia, interdependência e cooperação regional nos setores de energia, produção agrícola, combate as mudanças climáticas e defesa mútua.
O desenlace da guerra pode também causar o aceleramento da revolução verde, provocada por pressão política para reduzir a dependência em energia importada da Rússia, que representa 50% do diesel consumido na Europa. Eventualmente, o boicote pode aumentar o preço da energia térmica, forçando países a investir substancialmente em energia eólica e solar, o mesmo possivelmente acontecerá com preços de combustíveis fósseis, fomentando inovações na fabricação e massificação de veículos movidos a energia elétrica.
Excomungação comercial da Rússia abriu uma brecha para aumentar a influência da China, que potencialmente cobrira o déficit provocado pelo desinvestimento de empresas e fontes de financiamento ocidentais. Em fato, desde a invasão da Crimeia em 2014, o comércio entre os dois países cresceu 50%, permitindo inclusive transações em moedas nacionais, para reduzir dependência no dólar norte-americano. A China está se transformando no parceiro russo de último recurso, no aspecto comercial, financeiro e militar, criando uma dependência similar a que permite a Coreia do Norte sobreviver ao escárnio da comunidade internacional.
A Ucrânia e a Rússia juntos representam 30% das exportações globais de trigo, 20% de milho e 80% de óleo de girassol, uma de cada oito calorias comercializadas no mundo são exportadas pelos dois países. Agravando a situação, a Rússia e a Belarus são os principais exportadores de fertilizantes, cujo aumento de preços provocaria interrupções no cultivo agrícola de cereais. Revoltas populares da chamada Primavera Árabe, no Oriente Médio em 2011, foram galvanizadas pela escassez e custo de alimentos, especialmente o pão. Vivemos um cenário de instabilidade política global, de crescente insegurança alimentar, a cascata de sanções financeiras contra a Rússia se transformou em um abrangente boicote mundial. Escassez de alimentos pode provocar a mesma cadeia de reações, será que estamos chegando ao limiar de uma Primavera Global?
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores