Para reconquistar a confiança da sociedade, o governo precisa mais que marketing: precisa respeitar a Constituição, o Parlamento e os limites do bom senso institucional
Diante da queda nos índices de aprovação, o governo federal parece ter recorrido a um remédio antigo para um mal recorrente: trocar o comando da comunicação oficial, esperando que uma nova narrativa apague ruídos e eleve prestígio. Mas, como alertou Oded Grajew*, não é o espelho que precisa ser substituído — é o rumo.
A Constituição, ao contrário do improviso, oferece diretrizes claras: reduzir desigualdades, promover o bem-estar, fortalecer a cidadania. Se a comunicação não estiver a serviço desses fins, transforma-se em mera vitrine — e vitrines, quando vazias, não sustentam confiança. Não se governa com slogans, nem se alcança credibilidade com retórica descolada da realidade.
Mais preocupante é quando a comunicação pública deixa de ser ponte para se tornar trincheira. Em vez de diálogo com a sociedade e o Parlamento, multiplicam-se embates estéreis, declarações ríspidas, protagonismos indevidos de figuras sem mandato ou responsabilidade eleitoral. Essa dissonância entre governo e governados, entre gabinete e Congresso, alimenta desgastes evitáveis — e fragiliza a legitimidade institucional.
Accountability — termo muitas vezes esquecido nos corredores do poder — não é concessão, é dever. Prestar contas, reconhecer falhas, corrigir rumos: eis o que dignifica o exercício da autoridade. Nenhuma estratégia de comunicação, por mais sofisticada, substitui o princípio republicano de transparência.
É preciso, portanto, que o Executivo recupere sua voz institucional sem atropelar os demais Poderes. Uma comunicação de Estado — e não de governo — deve informar com clareza, ouvir com humildade e responder com responsabilidade. Deve reconhecer seus limites, distinguir o que é técnico do que é político, e entender que autoridade se constrói no diálogo — não na imposição.
Comunicar é também um ato de contenção. E, muitas vezes, é no silêncio prudente que reside a eloquência de um verdadeiro projeto de país.
Porque o marketing pode até seduzir. Mas só o respeito à Constituição e à democracia sustenta.
* Presidente emérito do Instituto Ethos, idealizador do Fórum Social Mundial, conselheiro do Instituto Cidades Sustentáveis e membro do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades
Por Palmarí H. de Lucena