Pelos meandros do Seridó: um olhar sobre São João do Sabugí e seu legado musical

Pelos meandros do Seridó: um olhar sobre São João do Sabugí e seu legado musical

Atravessando a paisagem árida do Seridó potiguar, o viajante depara-se com um cenário que combina vastidão desértica e nuances culturais singulares. A caatinga, com sua vegetação retorcida e cores pálidas, domina a topografia. Esporádicos conglomerados de rochas pontuam o horizonte, compondo uma paisagem ao mesmo tempo áspera e misteriosa. No meio desse mosaico de secura e resistência, eleva-se a Serra de Mulungu, um cone rochoso que parece brotar do solo como testemunha silenciosa de eras geológicas passadas.

O clima é implacável. O calor sufocante, característico do semiárido, molda o ritmo da vida local. No Seridó, a sobrevivência se entrelaça ao gênio da adaptação. Pequenas propriedades rurais resistem em meio ao solo pedregoso, enquanto o gado magro encontra alimento nas parcas folhas das cactáceas. Os ventos quentes, ao mesmo tempo que trazem alívio momentâneo, levantam poeira que se mistura ao ar, criando uma atmosfera de rusticidade e intemporalidade.

Descendo uma das muitas ladeiras que cortam a região, as torres da igreja matriz de São João do Sabugí surgem como um marco na paisagem. Decorada com balões e fitas coloridas, a cidade se prepara para celebrar seu padroeiro, revelando a vitalidade cultural que resiste ao desgaste do tempo. O núcleo urbano se desenvolve ao redor da igreja, epicentro da vida comunitária. No Seridó, as festas religiosas não são apenas momentos de fé, mas de intensa convivência social e manifestação cultural.

A pequena cidade tem o ritmo de uma melodia antiga. Os moradores observam calmamente o vai-e-vem dos poucos pedestres, enquanto as fachadas das casas, pintadas com esmero, refletem a influência do algodoeiro mocó, que, em tempos passados, sustentou a economia local. A arquitetura simples, pontuada por casarões de épocas prósperas, sugere um passado de fartura contrastando com as limitações econômicas atuais.

Um dos tesouros culturais de São João do Sabugí é sua filarmônica, fundada pelo maestro Honório Maciel, cuja memória permanece viva na sede amarela decorada com uma imponente lira negra. Lá, os sons de instrumentos em ensaio ecoam pelas ruas, anunciando a persistência de uma tradição que moldou gerações. Desde sua fundação em 1934, a filarmônica atravessou décadas como símbolo de união e resistência cultural. Seu mural homenageia os beneméritos, maestros e músicos que mantiveram viva a chama da música, conectando a cidade às tradições universais da arte.

João Emídio, um dos nomes gravados nessa história, é lembrado não apenas como músico, mas como um herói cultural. Como corneteiro, alertou a cidade sobre a ameaça do bando de Antônio Silvino, mas foi na música que deixou seu maior legado. Primeiro corneteiro, depois trombonista, ele via na arte musical um meio de transformar vidas e humanizar histórias. Inspirado por suas raízes e pela universalidade da música, dedicou-se a transmitir esperança e cultura, seja nas retretas locais ou nos corais infantis que ajudou a formar na Paraíba.

Na paisagem do Seridó, onde a aridez parece moldar tanto a terra quanto os destinos, a música emerge como um oásis de sentido e beleza. A filarmônica de São João do Sabugí é mais do que uma instituição cultural; é um fio que liga o passado ao presente, perpetuando uma identidade coletiva em meio às adversidades. Para o visitante, a cidade oferece não apenas a contemplação de sua história e tradições, mas também um convite à introspecção sobre o que significa resistir e florescer no coração do semiárido.

Assim, a jornada por São João do Sabugí revela um Seridó de contrastes: entre a aspereza da paisagem e a suavidade das melodias, entre o calor abrasador e a acolhida calorosa de seu povo, entre a simplicidade do cotidiano e a profundidade de seu legado cultural. Aqui, cada ladeira, cada casarão e cada acorde carrega a marca de uma memória que não se deixa apagar, ecoando pela caatinga como a melodia perene de um trombone distante.

Palmarí H. de Lucena

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