Passeio no mundo mágico de Gabo

Photo by Palmari de Lucena
Passeio no mundo mágico de Gabo

Caminhávamos pausadamente, degustando os mistérios escondidos atrás das fachadas e das janelas fechadas. Trepadeiras e buganvílias estendiam-se entre as casas para ambos os lados da rua, formando canópias multicoloridas. Abrigos contra o calor asfixiante. Mão invisível nos guiava pelas ruas de Cartagena, buscando o real no imaginário. Mágica cortesia de Gabriel Garcia Marquez, o Gabo de Cartagena.

Estávamos diante da mansão vermelha do grande escritor. Construção contrastando com a beleza austera do prédio localizado na esquina oposta, o antigo convento de Santa Clara. Comunhão inconfortável. Muralhas construídas com pedra e coral separam a casa das águas cristalinas do mar do Caribe, sem ofuscar a vista panorâmica do seu escritório. Lugar perfeito, próximo ao mar, um ou outro sempre perfeito. Cidade-forte de outrora. Religiosa, supersticiosa, muitas vezes, cruel. Receptáculo de uma poção diabólica de extremismo religioso misturado com a tristeza opressora das vítimas da escravidão. Fantasmas sonâmbulos tagarelando incansavelmente na imaginação daqueles que, como Gabo, ousavam desvendar os mistérios nas tragédias e estórias presas nos labirintos da cidade.

Paramos na esquina, contemplando o Convento de Santa Clara, hoje transformado em hotel. A redação do “El Universal” pediu a Gabo para fazer uma reportagem sobre a abertura das criptas funerárias do convento, em outubro de 1949. Farejou a verdadeira notícia em uma lápide aberta no terceiro nicho do altar-mor, cripta de uma adolescente. Cabeleira longa, impetuosamente cor de cobre, transbordava o espaço funerário que a confinara. Tinha mais de vinte e cinco metros de comprimento. O túmulo da Sierva Maria de Los Angeles. Vítima de preconceitos exacerbados pela intolerância, conflitos religiosos e o desprezo dos seus pais, que a obrigaram a viver com os escravos africanos até a idade da sua morte. Lembrança de uma antiga lenda de uma marquesinha venerada no Caribe por seus milagres. Foi aqui que o livro “Do Amor e Outros Demônios” nasceu.

Parque Fernández de Madrid, onde Florentino “a partir das sete da manhã” via Fermina passar, sentado “no banco menos visível”. Sobrado branco, balcões adornados com trepadeiras e flores. Antiga residência de um judeu português, que havia sido condenado injustamente pela Inquisição, a casa fictícia de Fermina Daza e seu pai, na novela “O Amor nos Tempos do Cólera”. Seguimos à procura dos amantes. “Torre del Reloj”, “Portal de los Dulces”, o local onde os personagens Florentino Ariza e Fermina se encontraram pela primeira vez. Vivemos o grande romance…

Cartagena não é Macondo. Bacias de frutas equilibradas precariamente na cabeça, mulheres e seios fartos pedem passagem; homens raquíticos empurram carroças, totalmente oblívios às buzinas dos carros; vendedores de esmeraldas competem com seus homólogos vendendo réplicas de “La Gorda” de Botero; homens suados, chapéu de palha escondendo os olhos, procuram romance nos olhos das turistas estrangeiras. Cartagena é Gabo… E, se “aprender é lembrar”, como ele platonicamente disse, esta é a nossa lembrança de um passeio pelo mundo mágico que ele criou aprendendo a magia esquecida de sua terra…

Palmari H de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores