Conhecemos Emmanuel em um bistrô na cidade de Lomé, a capital do Togo. Era amigo do músico que tocava um korá (instrumento senegalês), para os clientes da casa. Dizia-se ser um “Brésilien”. Brasileiro de verdade, meu irmão. Julguei que fosse um fã do futebol brasileiro, narrativa comum na África. Jantar encerrado, assunto encerrado. Ainda não sabíamos nada sobre os brasileiros da África Ocidental. Aqueles que Gilberto Freyre dizia ser “baianos”…
Meses depois, um grupo de ganenses visitou nosso escritório em Acra, Gana. Queriam convidar-nos para participar de uma celebração na Comunidade Brasileira. Agradecemos o convite em Português, éramos brasileiros, afinal de contas… Silêncio geral, nenhum deles entendia o idioma. Explicaram que eram do povo “Tabom”, descendentes de escravos deportados do Brasil, após a Revolta dos Malês em 1835, na Bahia. Sabiam poucas palavras em Português, dentre elas, a expressão “tá bom”, que deu origem ao nome de comunidade brasileiro-ganense conhecida como “Tabom”.
Um oficial da Embaixada Brasileira confirmou que havia um grupo de ganenses que se identificavam como brasileiros. Apareciam por lá de vez em quando, com convites para festas ou pedindo coisas do Brasil. “… Não falam Português…”, afirmou. O entusiasmo Tabom contrastava com a indiferença do funcionário do Itamaraty. Ambos aguçaram nossa curiosidade.
A diáspora afro-brasileira na África concentra-se principalmente em quatro países do Golfo da Guiné; os agoudas de Benin (antigo Dahomei); Nigéria; Togo e o os Tabom de Gana. Todos são descendentes dos 10.000 escravos retornados ou deportados do Brasil, no século dezenove – antes e depois da Abolição. Sobrenomes como Souza, Silva, Cardoso, Fernandes, Câmara, são encontrados nas elites nacionais. Pratos introduzidos pelos retornados, ainda hoje são servidos na região.
O mais rico e famoso dos afro-brasileiros, Francisco Felix de Souza, era baiano, filho de um português e uma “cafuza”. Chegou ao forte de São Batista da Ajuda (Uidah), Benin, em 1812, era um traficante de escravos. Convenceu os chefes tribais, que era melhor vender seus prisioneiros como escravos, do que decapitá-los. E foi assim que conseguiu ser nomeado o primeiro Chachá do Dahomei, uma espécie de vice-rei responsável por relações comerciais e estrangeiras. Usava casamentos para forjar alianças. Casou-se mais de 50 vezes, teve 80 filhos e 12.000 escravos. Quando faleceu aos 95 anos, deixou uma herança estimada em US$120 milhões de dólares.
No Togo, outro baiano, Francisco Olympio da Silva, também filho de um português e uma “cafuza”, se converteu em um dos homens mais ricos e influentes, traficando escravos para o Brasil. Foi iniciado no tráfico na casa de comercio de escravos do seu tio, Cesar Cerqueira Lima, membro de uma família influente da Bahia. O primeiro presidente de Togo, após a independência da França, foi Sylvanus Epiphanio Olympio, um descendente direto de Francisco.
A chegada dos Tabom em Acra em 1836 foi diferente. Abordo de um navio fretado pelos ingleses. Todos eram islâmicos, deportados do Brasil. Conhecedores de práticas agrícolas, cultivaram manga, mandioca, feijão e outros vegetais. Demonstraram ser bons pedreiros, marceneiros, alfaiates e trabalhadores com metais preciosos. O Chefe Supremo da Tribo Ga, reconhecendo o valor dos brasileiros, pôs a disposição deles as melhores terras e locais de comércio próximos ao porto. Os Tabom vivem e trabalham, desde então, nesses locais. Tivemos o prazer de ter uma roupa costurada por um alfaiate Tabom, descendente da família Norton da Bahia.
O Brasil deve muito ao povo africano, homens e mulheres escravizados e vendidos para o Brasil, ajudaram com seu sofrimento e trabalho ajudaram a construir o País . É hora de reconhecermos nossa divida com seus descendentes e nos transformamos em um sociedade justa e inclusiva da população majoritariamente negra, que ainda sofre os efeitos nocivos da escravidão.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores