Passávamos diariamente por um escritório de contabilidade, esquina das Rua Desembargador José Peregrino com a Rua das Palmeiras. Homens debruçados sobre livros de contabilidade, a superfície dos birôs cobertas de arquivos e papéis. Fumando incessantemente, um homem exibia um enorme topete, tão meticuloso como a caligrafia impecável dos seus registros contáveis. Portas abertas expondo as entranhas do negócio. Linha de montagem, uma colmeia humana. “Organiza-te ou desaparece”, placa na parede principal reforçando a probidade e a importância dos seus serviços.
Acontecimento na Rua das Palmeiras. Motorista de uma marinete perdera o controle do veículo, restava sua metade encravada na porta principal do escritório de contabilidade. Ironicamente, uma das poucas coisas que sobreviveu ao sinistro foi a placa que nos inspirara nas passagens da adolescência. O escritório desapareceu.
Barulho staccato da máquina datilográfica, nuvem de fumaça formando uma espécie de aura ao redor da cabeça de uma mulher madura, cabelo exageradamente ruivo, marcas de erosão tabagista na pele do rosto. Mensagens em duas placas, possivelmente para aqueles que tentassem constranger ou questionar sua rotina e hábitos de trabalho: “Eu fumo, eu voto”; “Não permita que sua falta de organização se transforme em uma emergência para outros“. Auditoria posterior revelou problemas sérios no seu controle e organização de medicamentos destinados a emergências na África. Evitaram demití-la, sofria de câncer.
Seguimos a mensagem sobre planejamento e emergências por toda a vida. Sua relevância para os problemas do Brasil é evidenciada nas investigações da Operação Lava Jato e do TCU. Ocupados criando emergências burocráticas para burlar processos normais de licitação, esquecemos de cuidar dos nossos desastres naturais. Agora nos resta um desastre nacional provocado por uma tríade de incompetência, corrupção e impunidade. Chegou a hora de encarar: organiza-te ou desaparece!
Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores