Onde o Silêncio Reina

Onde o Silêncio Reina

(Em reverência ao desejo de Humberto Almeida)

Havia — e ainda há — um país onde o silêncio precede o verbo, onde cada gesto tem a densidade de um poema não dito. No Japão, o silêncio não é ausência: é presença que pulsa, sombra que acaricia, linguagem que se aprende antes da fala e permanece depois dela.

Nos trens velozes que cruzam cidades apressadas, não há disputa pelo espaço sonoro. Apenas o compasso dos trilhos compõe a sinfonia dos que sabem calar. Nas casas de madeira, entre portas de papel translúcido, o silêncio é hóspede sagrado. Ele paira sobre o vapor do chá, desliza pelas mãos que servem com serenidade, vive nas pausas que alargam o tempo e aprofundam o olhar.

Em Kyoto, compreendi que o silêncio fala. Sua voz é grave e serena como os telhados que se curvam em reverência ao tempo. Ele escorre pelas pedras musgosas dos templos, reverbera nos sinos budistas que soam mais por dentro do que por fora, dança com o vento nas alamedas de sakuras em flor.

Kyoto não grita. Ela murmura histórias ancestrais. Seus segredos são confiados aos que sabem esperar. Àqueles que caminham entre monges invisíveis, entre casas que rangem baixinho como se rezassem, entre gueixas que passam como lembranças suaves.

Ali, percebi que há conversas que o silêncio traduz melhor do que qualquer voz. Que há promessas que só florescem na imobilidade solene do teatro Nô, onde cada gesto carrega séculos de sentido. Que há verdades que não suportam o peso do som.

Foi ali, entre o sopro das pétalas caídas e a lentidão das sombras, que intuí o que o escritor Humberto Almeida tão bem soube nomear. Seu desejo não é de silêncio como fuga, mas de silêncio como casa. Um abrigo sem muros nem fechaduras.

“Quero o silêncio de estar, simplesmente, estar comigo, estar em mim, estar agora e estar sempre. O silêncio que se não abre portas porque não existem portas para o que é pleno; o silêncio que não fecha portas porque o que é pleno não precisa se esconder.”

O silêncio de Humberto é o silêncio que salva — da pressa, do excesso, da distração. É o silêncio que não isola, mas integra. Que não cala por medo, mas por sabedoria.

Num país onde o silêncio reina, aprendemos a escutar o que não se diz — e, nesse gesto, descobrimos também como escutar a nós mesmos. Com a alma inteira.

Por Palmarí H. de Lucena