Pequeno prédio de apartamentos na Avenida North Las Palmas, a poucas quadras da Sunset Strip. Ilha de simplicidade funcional alojando famílias e pessoas sem raízes ou planos de permanência na cidade, o bairro de Los Angeles chamado de West Hollywood. Calçadas cobertas de estrelas, carros de luxo e caras famosas, algumas, presas da memória minguante de uma fama distante e decrescente, só podiam ser reconhecidas com exagerada proximidade.
Morávamos no primeiro andar, com vista privilegiada para a piscina, retângulo azul no centro do pátio, quebrando a monotonia bege dos apartamentos. Grupo de idosos mantinha cadeiras de plástico posicionadas para observar o vai e vem do prédio. Congregavam-se perto do apartamento do Senhor Fisher, pai do cantor Eddie Fisher, ex-marido de Debbie Reynolds, Elizabeth Taylor e outras… menos famosas. Fotos do filho e de suas ex-mulheres decoravam sua sala de visitas. Regalou-nos um dia com chá e detalhes íntimos sobre os romances.
Nossos vizinhos: “The Girls from Bahia”, nome hollywoodiano do Quarteto em Cy; a direita uma atriz dramática, cujo trabalho se limitava ao papel de “sogra”, no seriado “Divorce Court”, odiava a música do chamado “Terceiro Mundo”. Atores e atrizes “classe B”, músicos de estúdio, tripulantes e aposentados completavam a população da “menagerie” do Senhor Schnyder, o truculento proprietário.
Bar restaurante na Sunset Strip, pequeno cartaz: “Brazilian Music Tonight”. Palavras sedutoras para um emigrante brasileiro. Entramos sem hesitação. Ouvimos o som de um cavaquinho, acompanhado de um violão e um violino, três homens idosos e um percussionista jovem. Apresentamo-nos durante o intervalo. Tínhamos diante de nos, três músicos que haviam acompanhado a Carmen Miranda na sua meteórica carreira nos estúdios de Hollywood. Zezinho Oliveira, o mais velho, era nada mais, nada menos, que o Zé Carioca de Walt Disney. Começamos nossa amizade naquele dia.
A crítica americana havia premiado com um “Grammy” ao encontro musical de Frank Sinatra com Antônio Carlos Jobim. O álbum perdeu apenas, em vendas, para “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles. Música brasileira pós-Carmen Miranda, havia estabelecido uma porta de entrada em Hollywood. Luiz Bonfá, João Gilberto, Walter Wanderley, Sergio Mendes, Sivuca, Dom Um Romão, Astrid Gilberto, Vanda de Sá, Rosinha Valença, Moacyr Santos e muitos outros apareciam freqüentemente em shows de televisão, clubes de jazz e alguns no Greek Theatre, a mais famosa casa de espetáculos de Los Angeles. O swing de Hollywood tinha a distinta sinuosidade da Bossa Nova.
Voltávamos sempre a Sunset Strip para ouvir Zezinho e seus companheiros. Quando na cidade, Sivuca nos acompanhava. Fato corriqueiro devido à presença de estúdios de gravação e calendário de concertos de Miriam Makeba. Verdadeiras viagens musicais, de Carmen Miranda a Tom Jobim.
Frequentamos a casa de Zezinho, cheia de compatriotas, nunca faltava aos amigos ou a aqueles que necessitassem de ajuda ou de conforto. Tinham um costume maravilhoso, ele e sua mulher: mantinham um livro com os endereços e telefones de todas as pessoas que conheciam, em casa ou na noite. No Natal, enviavam cartões de Boas Festas para todos. Recebemos vários durante nossa permanência na África.
Depois de uma vida dedicada à boemia e ao carinho pelos amigos e familiares, morreu há vinte e três anos. Seus sentimentos mais profundos de amor e amizade foram reservados a tudo que tocasse sua alma brasileira… Zezinho, em uma única vida, foi homem, músico, papagaio de gibi e estrela de Hollywood – transcendeu a tudo isso, a magia do cinema americano e, inclusive, a Walt Disney… Em momentos de alegria, repetia constantemente a expressão “Too much… Demais!”.
Todo Natal, relembro “demais” o amigo Zezinho, o Zé Carioca…
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores