O visitante indesejável…

O turbilhão político no mundo colonial lusófono, desencadeado pela chamada Revolução dos Cravos em Portugal, chegou ao Timor-Leste em 1974. Os portugueses desembarcaram na ilha em 1515, em busca de sândalo branco. Quatrocentos e cinquenta anos de negligência e opressão colonial. Abandonaram a ilha tempestivamente, no dia 26 de Agosto de 1975…

Divergências entre partidos políticos timorenses, alguns dos quais advogavam a integração à Indonésia, pronto degeneraram em confrontos armados. O movimento de resistência timorense, FRETILIN, contra seus opositores, conservadores e líderes tradicionais. Armados simultaneamente, por militares marxistas ou policiais anticomunistas portugueses. A FRETILIN proclamou independência unilateralmente, no dia 28 de novembro de 1975. Tropas da Indonésia, nove dias depois, desembarcaram em Díli. Ocupando o território nacional. Justificaram a intervenção como defesa anticomunista. Beneficiaram-se do apoio passivo dos Estados Unidos e Austrália e receberam condenação quase unanime da Comunidade Internacional.

A anexação do Timor-Leste, como a 27ª província da Indonésia, desencadeou um ciclo de violência que durou mais de vinte e cinco anos. Resultando em duzentas mil vítimas de combates e chacinas, quase um quinto da população. Moradores das áreas rurais, vistas como simpatizantes da resistência, eram relocados forçosamente para “aldeias de recolonização”. Proibição do ensino de Português, islamização forçada e reconfiguração demográfica do perfil étnico da população, foram introduzidos para assegurar a assimilação do Timor-Leste, como parte da Indonésia.

A conferencia episcopal timorense e representantes da FRETILIN na ONU, contataram o programa de ajuda humanitária católica dos Estados Unidos, para fazer sérias alegações. Denúncia grave. Militares indonésios estavam desviando ajuda humanitária. Alimentos e remédios usados como uma arma, violavam o próposito do programa de assistência às populações vitimadas pela guerra. Fomos designados para chefiar uma delegação à Indonésia, para investigar as denúncias e visitar contrapartes e beneficiários no Timor-Leste.

Agendamos reuniões com representantes de países doadores e da Igreja Católica, em Jacarta. Militares associados com a administração do Timor-Leste, nos visitaram no hotel para apresentar argumentos pela manutenção da ajuda humanitária. Informamos da nossa intenção de fazer um visita de inspeção; reunir-nos com a hieraquia católica e beneficiários do programa. Explicaram que seria dificil organizar a visita, devido a situação de intraquilidade e terror causado pelos “comunistas” da FRETILIN.

A Embaixada Americana expressou preocupação com a situação de fome na ilha, sem condenar explicitamente as consequências das aldeias de recolonização. Consideravam que o programa era uma peça importante na estratégia de antiinsurgência — pacificação seguida de desenvolvimento. Insistíamos em manter a neutralidade da ajuda humanitária. Condição indiscutível para sua continuação. Prometeram dialogar sobre o tema com o Governo da Indonésia.

Quatro semanas de reuniões inconclusivas. Os militares nos informaram que não poderíamos visitar Timor-Leste. Dizíam-se preocupados com a nossa segurança pessoal. Os timorenses podiam aproveitar-se do fato de que falávamos português, para espalhar desinformações sobre o programa de aldeias de colonização. Não havia propósito para a nossa presença na Indonésia. Informaram que tinham conseguido uma reserva no primeiro vôo para Tóquio. No dia seguinte, nos levaram pessoalmente ao aeroporto. Assegurando nossa partida…

Decidimos limitar a distribução de materiais de ajuda humanitária, após consultas com a Igreja Católica do Timor-Leste. Seriam entregues diretamente aos beneficiarios, através das paróquias católicas. A marcha da igreja continuou. O Papa João Paulo II, visitou a ilha e denunciou eloquentemente as violações de direitos humanos, gerando protestos pacifícos dos jovens, reprimidos brutalmente pelos militares indonésios. O Bispo Carlos Filipe Ximenes Belo, compartilhou o Nobel da Paz de 1996, pelo contínuo esforço para terminar com a opressão vigente em Timor-Leste…

No dia 27 de Setembro de 2002, o Timor-Leste converteu-se no 191º país membro das Nações Unidas…

Indonésia 1983