O velho homem e o bolero

O velho homem e o bolero

Mãos frágeis segurando precariamente os braços da poltrona, mantendo uma postura desafiante à condição física de homem idoso. Trono de um rei sem sua rainha. Cantando uma canção de amor ora em espanhol, ora em inglês. Solfejando versos incompletos, combatendo as pausas e os hiatos da memória como se fosse um último suspiro. Palco dourado, plateia invisível. Cotidiano simples eternizado por um vídeo caseiro, produzido por alguém compartilhando a tristeza do momento para a posteridade. Siempre en mi corazón chamava-se a canção, símbolo do seu amor e lealdade por alguém que partira. Beleza da melodia e versos suprimindo a solidão da lembrança. Estás en mi corazón y aun que estoy lejos de ti …

Canções melódicas e letras dramáticas. Boleros sempre presentes naqueles momentos, quando precisávamos de uma estrofe para ancorar sentimentos de nostalgia por uma conquista amorosa. Lembrávamos vividamente quando sentíramos nossos corações engelhados pelo calor da paixão adolescente. Beijos e abraços furtivos na privacidade e independência temporário das excursões, viagens de trem ou festas de formatura. Vivíamos nossos grandes romances, perdidos muitas vezes na auto-delusão de um amor perfeito e duradouro.

Envelhecemos com nossas canções, elas sempre resistindo as mutações do tempo. Companheiras da memória, voltam sem ser chamadas. Ficarão conosco até que a memória nos separe. Rostos, abraços, risos, lágrimas e despedidas imbuídas nas músicas da cronologia das nossas vidas. Caminhando os dormentes da ferrovia que havíamos percorrido. Sempre cantarolando alguma melodia, expressando sentimentos com penache e ambivalência, mesmo na assimetria da relação entre os dois sexos. Estrofes dramáticas simplificando emoções crescendo dentro dos nossos corpos de adolescentes. “Siempre en mi corazón, prisionero de un cariño que fue toda mi ilusión”…

Palmarí H. De Lucena é membro da União Brasileira de Escritores