O taxista Alberto e o compañero Gaudi…

O taxista Alberto e o compañero Gaudi…

Plano simples, visitar o museu da Fundação Miró, em seguida a Rambla, depois as obras de Gaudi e as fontes mágicas de Montjuic, ao entardecer. Pedimos ao concierge um taxi. Quinze minutos depois, anunciaram que nos esperavam na recepção. “Hola, mi nombre es Alberto, tengo experiencia como taxista y guia turístico en Barcelona”. Homem jovem, vestido em traje pret à porter globalizado, cabelo estilo híbrido de rasta e moicano, dedos decorados com anéis de prata. Faux cigano. A aparência do carro contrastava com o dono. Entramos…

Partimos rumo ao parque na colina de Montjuïc. Vista impressionante, o porto e a zona antiga da cidade. Estátua de Cristóvão Colombo apontando em direção ao Leste. “¡Tierra!” Direção oposta das Américas, no Hemisfério Ocidental, o taxista ironizou. Colombo era “¡un ¡estranjero!”, sua terra natal, Genova, fica no Leste. O museu da Fundação Miró estava fechado, frustrados. Alberto propôs um tour alternativo de três horas. Começaríamos pelo monumental e inacabado Templo da Sagrada Família, depois o Parque Güell e o Passeig de Gràcia 92, conhecido como La Pedrera. Passagem rápida por sete obras de Antoni Gaudi, Patrimônio da Humanidade. Concluiríamos em um restaurante na Barceloneta, a praia mais acessível da cidade — de Gaudi ao Mediterrâneo a preço módico.

Alberto, como toda a Espanha, sonhava com a conquista da Copa do Mundo da África do Sul. “La Fúria”, oito jogadores do Barcelona, símbolo do orgulho da Catalunha. Estranhava a ausência do “catalão” Ronaldinho Gaucho, na seleção brasileira. Conversa amena, apolítica, salvo quando se tratava de Gaudi…

Gênio artístico e espiritual, tão enigmático como suas obras, comentou Alberto. Algumas expunham simbolicamente a influência da natureza ou da religião; outras se transformam em representações das suas estruturas e dos materiais utilizados na construção. Projetadas sempre, para apoiar a si próprias, sem suporte interno ou externo, como uma arvore no campo se ergue. Síntese e cadência típica de guia turístico. Olho no taxímetro…

O discurso mudou de repente. Um novo Gaudí: homem político, protagonista na Renaixensa catalã. Movimento artístico revivalista, artes e ofícios mesclados ao nacionalismo fervoroso, anti-castelhanista. Aspiravam restabelecer na Catalunha um estilo de vida, que havia sido suprimido pelo governo centralista de Madri, ao longo dos séculos XVIII e XIX. O Templo da Sagrada Família, símbolo religioso dos desfavorecidos, incorporava todos os aspectos da sua obra: religiosidade, a natureza e o seu desejo de viver e morrer entre os pobres. Os pobres, proibidos de entrar na catedral, contribuíam com seus parcos proventos para o projeto.

Seguimos o tour, Alberto ora servia como um guia turístico ora como um comentarista social. Parque Güell, um guia oficial nos ouvia atentamente, questionando as informações oferecidas pelo nosso guia. Trocaram palavras, mostrando brochuras. Empate técnico. O desconforto de Alberto durou pouco, mudou de assunto.

Chamando nossa atenção para o menor traço do compromisso do arquiteto com os pobres, em todas as suas obras. A luta de classe, uma imitação da natureza. O homem de pé com o braço estendido na direção da árvore que se sustenta por si mesma — o pessoal e o profissional indistinguíveis na sua visão.

Atropelado por um bonde, Gaudi, devido a sua aparência pobre, foi removido para um hospital de indigentes. Identificado, preferiu não mudar-se. Morreu três dias depois, como sempre quis, como um pobre. O Templo da Sagrada Família, um testamento a Deus e ao povo Catalão, deixando incompleta até hoje, sua maior obra…

Acertamos as contas, “moltes gràcies”. Partiu. Aumentando o volume do radio, deixando um rastro de sonoridade, uma rumba catalã…

Barcelona 2010

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores