O rio da desigualdade

Fascinados pela vida ribeirinha, descíamos a Rua da República em direção a Ponte do Baralho, estrutura metálica sobre o Rio Sanhauá, conectando a capital com a cidade de Bayeux, outrora conhecida como “O Baralho”. O nome estrangeiro e seu significado histórico perdidos no desvanecimento das memórias da Segunda Guerra.

Preconceitos da época sugerindo que o “outro lado” do rio era um lugar insalubre e manguezais com vetores de doenças perigosas. Observávamos da margem direita do rio o movimento das águas e de tudo que nela flutuava. Veleiros descarregando frutas e legumes, peixes e mariscos, objetos do cotidiano, mercados flutuantes de bricabraque que nos fascinavam. Sonhávamos de olhos abertos, acalentados pelo chuá-chuá das águas e o gemido monótono das cordas atando as embarcações aos molhes do Porto do Capim.

Voltando ao rio, poucos vestígios do passado distante estavam presentes. Partindo de uma marina privada na Praia de Jacaré observamos uma variedade de embarcações de tamanhos e aparências diversas, atracados em marinas privadas bem apetrechadas e modernas. Bateaux mouches genéricos oferecendo passeios turísticos animados ao som de forró e outros regionalismos. Remanentes de bares e restaurantes fechados ou demolidos por razões ecológicas, um pano de fundo sem atrativos ou possibilidades. Soam as estrofes do Bolero de Ravel, ao pôr-do-sol. Treze minutos de pura sensualidade melódica. Voltando a anonimidade da noite, o rio dorme.

O rio é uma mostra de contrastes e desigualdades. Pessoas vivendo em condições de extrema pobreza nas comunidades da margem esquerda, enquanto no lado oposto, temos a expansão de marinas, clubes náuticos e embarcações luxuosas. Especulação imobiliária, turismo e a lumpenização do povo acentuando as desigualdades, induzindo impactos antrópicos no meio ambiente, gerando ocupações ilegais de áreas públicas e a instalação de barracas. O rio segue mudando, nós não mudamos…

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores