O recuo de Trump: Quando a dívida virou arma e o silêncio venceu o grito

O recuo de Trump: Quando a dívida virou arma e o silêncio venceu o grito

Não foi com um tuíte explosivo, nem em meio a aplausos inflamados num comício. O recuo de Donald Trump aconteceu como quem desliga um microfone no meio de uma ópera: de forma súbita e sem alarde. Ele chamou de pause, mas todos entenderam como rendição. As tarifas colossais — 125% sobre produtos chineses, 25% sobre automóveis canadenses — evaporaram como fumaça. E o que parecia ser o prenúncio de uma nova guerra comercial se desfez num gesto silencioso.

O autor desse xeque-mate não estava em Washington. Estava em Ottawa, respondia pelo nome de Mark Carney e sabia jogar o jogo onde o grito não vale nada: o das finanças internacionais. Ao invés de ameaças, Carney aumentou discretamente as reservas do Canadá em títulos do Tesouro americano, acumulando US$ 350 bilhões — parte vital dos US$ 8,5 trilhões que sustentam a rotação financeira dos Estados Unidos. Com aliados na Europa e no Japão, teceu uma rede estratégica pronta para agir. E agiu.

No palco global, já não são os mísseis que decidem tudo, mas os papéis. Títulos de dívida, para ser exato. São eles que mantêm em pé o edifício de US$ 34 trilhões da dívida americana. E basta que grandes credores — como Canadá, Japão ou União Europeia — iniciem uma venda coordenada para que a arquitetura comece a ruir. Os juros sobem, o dólar perde força, o crédito escasseia e a recessão bate à porta.

E havia mais um jogador nesse tabuleiro: a China. Detentora de cerca de US$ 850 bilhões em títulos americanos, Pequim carrega consigo o poder de provocar abalos sísmicos nos mercados apenas com a sugestão de diversificar seus ativos. Embora venha reduzindo sua exposição, continua sendo o maior credor estrangeiro individual dos EUA. E Trump, por mais que brandisse retórica hostil, sabia o que isso significava: que a estabilidade fiscal americana podia, ironicamente, estar nas mãos de um concorrente geopolítico.

Diante desse cenário, Trump fez o que raramente fez em sua carreira pública: recuou. Poupou o Canadá, o Japão e a União Europeia das tarifas que havia prometido. Manteve a China no centro da mira — talvez para manter sua base satisfeita — mas evitou o confronto direto com os aliados que sustentam a liquidez americana.

Enquanto Trump jogava xadrez com regras de damas, Carney mexia peças que poucos enxergavam: emissão de títulos canadenses em dólar, diplomacia silenciosa com líderes europeus, sinalização de que o mundo buscava parceiros mais previsíveis. Nada de explosões, apenas uma mudança lenta e determinada no eixo da influência.

A mensagem, embora polida, foi clara: quem financia a orquestra, dita a música. E hoje, essa orquestra é multinacional.

Trump apertou pause — não por generosidade, mas porque o tabuleiro já não lhe era favorável. Descobriu, como tantos antes dele, que no século XXI o poder não grita. Ele sussurra — e, quando necessário, retira o dinheiro.

Palmarí H. de Lucena