A América sempre foi terra de mitos e promessas, forjada na chama do expansionismo e na crença de um destino grandioso. Donald Trump, em sua retórica inflamável, evoca essa velha chama, encarnando a figura do líder desbravador que desafia elites e resgata uma nação supostamente perdida. Mas, como a história nos ensina, essa visão romântica do populismo sempre levou os Estados Unidos a ciclos de crises e frustração.
No século XIX, a crença na grandeza americana tomou a forma de um fervor nacionalista, capturada por escritores como Herman Melville e Walt Whitman. O país se via como o “Israel de sua época”, predestinado à grandeza e à diferença. Mas essa exaltação patriótica também mascarava uma realidade de instabilidade política e crises econômicas recorrentes. Trump resgata essa aura de autoengrandecimento, mas esquece que o século XIX também foi marcado pela ausência de uma governança eficaz, que resultou em mandatos instáveis e recessões brutais.
Promessas de um governo “anti-establishment” já dominaram os Estados Unidos antes, entre 1825 e 1901, quando a instabilidade política era a norma. A tentativa de enfrentar problemas complexos sem planejamento resultou em uma sucessão de presidentes de curto mandato, enquanto o país afundava em desigualdade e crises. Os populistas da época, como os de hoje, viam vilões em vez de soluções, preferindo discursos inflamados à criação de políticas sólidas.
Foi apenas no século XX, com os progressistas, que o país encontrou uma saída. Ao transformar indignação em políticas concretas, ergueram instituições essenciais como a FDA, a FTC e o Federal Reserve, estabelecendo uma governança robusta capaz de equilibrar crescimento e proteção social. Diferente dos populistas, que rejeitam regulações e planejamento, os progressistas entenderam que só através de um governo forte e bem estruturado a estabilidade pode ser mantida.
Hoje, uma nova crise de autoridade assombra os Estados Unidos. A economia digital aprofundou desigualdades, criando uma massa de descontentes que Trump busca liderar. Mas, como no passado, sua resposta é repleta de bravatas e vazia de soluções. Seu recente plano para inteligência artificial é exemplo disso: promete US$ 500 bilhões enquanto revoga regulações essenciais, ignorando riscos de segurança. Até Elon Musk, um de seus aliados, vê nisso uma ilusão.
A história mundial prova que rupturas abruptas destroem governos. Da Revolução Francesa aos regimes autoritários, a queda de instituições sempre leva ao caos. Trump, ao concentrar poder e rejeitar o papel do Estado, se aproxima desse abismo, alimentando um sistema de governança baseado em personalismo, corrupção e instabilidade.
Se os democratas querem derrotá-lo, precisam admitir que ele toca em questões reais, como inflação e polarização cultural. Mas também devem enfatizar que sua administração apenas agrava essas questões. O populismo faz discursos poderosos, mas a história prova que, sem planejamento e estrutura, ele está condenado ao fracasso.
Palmarí H. de Lucena