Meses de reflexão precederam a decisão que acabáramos de tomar: digitamos “00” na urna eletrônica e confirmamos nossa escolha. O poder efêmero nas mãos do cidadão exigia alacridade, concluímos nosso dever cívico em questão de segundos. Escolhemos zero, o nada, para expressar nossos sentimentos sobre tudo que está acontecendo no país, da Lava Jato até a situação deplorável de tudo que chamamos Brasil. David Kaplan considera o zero um número subversivo. “Ele nos obriga a repensar tudo o que alguma vez já demos por certo: da divisão aritmética à natureza de movimento, do cálculo à possibilidade de algo surgir do nada”. Temos de chegar a soma zero, enquanto a classe política faz de conta que nossas instituições estão funcionando?
O Mensalão e a Operação Lava Jato abriram as portas do poder público deixando a luz do dia penetrar nas profundezas duodenais da empreitada político-empresarial pervertendo nossas instituições democráticas e destruindo o patrimônio nacional. Escândalos de corrupção removeram a pátina de probidade de muitas das nossas instituições, principalmente quando investigadas ou julgadas pela falta de eficiência, transparência ou imparcialidade. Mensagem dos eleitores que votaram em branco, anularam ou se abstiveram é clara: a política atual não pode ser consertada por políticos profissionais, corporativismo ou fisiologismo, fato amplamente demonstrado nas investigações e julgamentos de casos de corrupção pela 13a Vara Federal Criminal.
A soma de votos nulos, brancos e abstenções superou o primeiro ou segundo colocado na disputa para prefeito em 22 capitais, São Paulo contabilizando o nível mais alto desde a redemocratização. Retrato acurado do descontentamento popular pela falta de respostas dos políticos e partidos sobre a crise de corrupção e a situação da quase bancarrota em que se encontra o Brasil. Políticos falhando mais uma vez em interpretar a mensagem escrita no reboco da parede, como o fizera Daniel para o Rei Belsazar.
–> Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira dos Escritores