Desde o retorno de Donald Trump ao comando dos Estados Unidos, um enredo familiar se repete: grandes discursos inflamados, anúncios grandiosos e, nos bastidores, um grupo de assessores e aliados que se desdobram para sustentar a coerência das medidas adotadas. As ameaças tarifárias ao Canadá e ao México, por exemplo, resultaram em concessões modestas, muitas delas meras formalidades, ou ajustes que os vizinhos já planejavam implementar. No palco da política externa, Trump se movimenta como um ator imprevisível, alternando posturas e pronunciamentos sem a amarra de um roteiro bem definido.
O secretário de Estado Marco Rubio, outrora entusiasta da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), agora se vê no papel de crítico da mesma instituição que já defendeu. O episódio ilustra como a administração Trump funciona: um governo onde a lealdade não se traduz em consistência, mas em adaptação rápida aos caprichos do líder. O renomado analista político Francis Fukuyama alerta para um fenômeno preocupante: os Estados Unidos estão flertando com um modelo patrimonialista, no qual normas e instituições são ofuscadas pela vontade de um líder carismático. A democracia, antes um espaço de debate plural, se transforma em um jogo onde os interesses do governante se impõem sobre o bem coletivo.
Poucas medidas da administração Trump despertaram tão forte reação quanto a tentativa de desmantelar a USAID. A agência, que durante décadas simbolizou a diplomacia humanitária dos Estados Unidos, agora se vê sob risco de extinção. Enquanto a Casa Branca argumenta que a medida visa contenção de despesas, especialistas ressaltam que os custos da agência são irrisórios diante do orçamento federal e que sua existência serve como ferramenta de influência global. Samantha Power, ex-diretora da USAID, alerta para o vácuo geopolítico que se abre: ao recuar do cenário internacional, os Estados Unidos deixam espaço para que potências rivais, como a China, expandam sua influência em regiões carentes de apoio. O isolamento voluntário, longe de ser um sinal de força, pode comprometer a capacidade americana de liderar decisões globais e zelar por seus interesses no exterior.
Talvez o traço mais marcante da administração Trump seja a sua postura errática diante da diplomacia global. O ex-diplomata Richard Haass observa que, no segundo mandato, o governo americano parece guiado por impulsos momentâneos em vez de estratégias bem estruturadas. De ideias fantasiosas como a aquisição da Groenlândia a decisões unilaterais que afetam alianças de décadas, a condução política da Casa Branca se assemelha a um improviso permanente. O efeito colateral mais visível é a incerteza. Parceiros tradicionais dos Estados Unidos encontram-se em um jogo de adivinhação, sem garantias de que acordos serão respeitados ou de que as promessas do presidente resistirão a uma nova mudança de humor. O preço dessa volatilidade política pode ser medido na erosão gradual da confiança global na liderança americana.
O segundo governo Trump emerge como um cenário onde o espetáculo é constante e a previsibilidade, um artigo raro. Suas decisões moldam um país onde a governança se descola de estruturas sólidas e se rende ao improviso. Enquanto seus seguidores veem nessas medidas a reafirmação da soberania nacional, os críticos temem que os Estados Unidos estejam se distanciando não apenas do mundo, mas também de sua própria tradição democrática. O que resta saber é até onde essa narrativa nos levará e qual será o desfecho dessa história ainda em escrita.
Palmarí H. de Lucena