O mundo passou na janela e José Costa não viu…

O narrador da novela Budapeste, de Chico Buarque de Holanda, é um “ghost-writer” chamado José Costa. Um escritor especialista em escrever livros para terceiros sem poder mencionar seu nome. Totalmente acostumado a viver no anonimato, nas sombras. Sua chegada a Budapeste, foi graças a um pouso imprevisto, “quando voava de Istambul a Frankfurt”, regressando de uma convenção de escritores anônimos. Ficou na cidade, passando mais de quatro meses num bom hotel sem ter dinheiro para pagar. Não trabalhou um dia. Eventualmente, conseguiu aprender húngaro, com a ajuda e a inspiração de Kriska, sua amante. Uma grande façanha, visto que o húngaro é tão difícil de aprender que, segundo a tradição local, só o Diabo aprende. Enquanto vivia na Hungria, José Costa alternou entre sua esposa, Vanda, no Rio de Janeiro e Kriska, em Budapeste. Um homem anônimo vivendo a novela venezuelana da sua vida. A cidade descrita por José Costa é vazia, cinzenta, desumana. Para ele, em Budapeste “… a realidade eram os passeios na ilha de Margit com suas atrações domingueiras, os aqualoucos do Danúbio, as corridas de carneiro, as marionetes eslovenas, o coral dos ventríloquos…” Nada mais.

Vivemos três grandes paixões pela Hungria. Na infância, um disco de 45 r.p.m com uma gravação de Csárdás, magistralmente tocada por George Boulanger. Na juventude, a destreza e competência de um futebolista chamado Ferenc Puskás, temido até pela Seleção Brasileira. Mais tarde, o mistério do “cubo” de Kubrik, que até hoje não consiguimos resolver. Tudo essas coisas fazem de Budapeste, o espelho e o reflexo de um povo chamado Magiar.

Budapeste é o resultado da união de três cidades, em 1873. Buda abriga o Palácio Real e as Termas Gellért. Peste concentra o Parlamento, a Ópera, a Basílica de São Estevão e os tradicionais cafés. A terceira é Óbuda. Buda e Peste são separadas pelo rio Danúbio e ligadas por suas lindas pontes. Um passeio à noite na margem do Danúbio, admirando a iluminação da Ponte das Correntes e a arquitetura, é um bom começo. Charles Baudelaire descreveu um flâneur como “… uma pessoa que caminha pelas ruas de uma cidade para experimentá-la…”. Peste é o paraíso dos flâneurs. Budapeste é Velho Mundo. Sua grandeza e herança cultural legitimam sua merecida designação como Patrimônio de Humanidade.

A cidade oferece oportunidades diversas para relaxar, curtir a noite, ou simplesmente visitar uma galeria de arte. As operas são excelentes e os vinhos da região de Tokaj-Hegyalja, uma grata surpresa. Seja qual for sua opção, permita que a curiosidade seja seu guia. Os banhos romanos, principalmente o Szechenyi, são ornados, limpos e rejuvenescedores. Butiques na Rua Kiraly com roupas de design arrojado, vendidas a preço de mercado pulga. Os belos museus, que não custam um cêntimo, dão a cidade o status de ser sofisticada, moderna e velha ao mesmo tempo.

O cenário musical de Budapeste vai de Liszt e Bartok ao Anima Sound System. Os concertos de verão são ao ar livre na Praça Erzsebet ter, a favorita da cidade. A discoteca Klub de Godor, também localizada na praça, oferece uma repertorio variado, de rap cigano ao jazz. O Piaf Klub é ideal para quem gosta de algo mais tradicional, sem pressa de chegar cedo, a melhor parte começa depois das três da manhã.

Depois de uma noitada, nada melhor do que café da manhã no Muvesz Kavehaz, fundado há mais de um século. Do outro lado da rua, o novo café Callas, traz uma atmosfera de Art-Deco para a praça em frente da ópera da Hungria. O café serve uma excelente combinação a preços módicos.

Assim é Budapeste.

“… Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou nosso barco partiu/ Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela…” e só Jose Costa não viu…

Hungria 2009