Grades metálicas, um dos poucos produtos manufaturados em crescente demanda. Compradas para proteger-nos de pessoas indesejáveis ou para mantê-las encarceradas quando cruzam o Rubicão, penetrando nossas redes de proteção social. Desenvolvimentismo predatório e negligência do poder público convivendo lado-a-lado, diminuindo ou ofuscando a separação entre o espaço privado e o espaço público. Condicionando as relações da sociedade contemporânea em comportamentos de medo e insegurança.
Cultura urbana nutrida por duas vertentes contraditórias: a supervalorização do indivíduo e a sua fragilidade/vulnerabilidade, interlaçados precariamente na bipolaridade da arquitetura do medo. Encurralados na imensidão anônima da globalização, o indivíduo procura maneiras de classificar-se como socialmente superior, elevando seu status diante de grupos de indivíduos ou uma classe social. Tornando-o assim uma pessoa valorizada, dotada de múltiplas virtudes. Doutor Fulano, Empresária Sicrana, ou o Consultor Beltrano, são status ou etiquetas culturais, profissionais e pessoais que transformam o indivíduo em alguém hierarquicamente mais valorizado do que outrem. Perpetuando a noção de que as pessoas diferenciadas estão sempre ameaçadas ou expostas à classe perigosa, na busca constante de segurança e proteção daqueles considerados socialmente inferiores.
Refletindo a dicotomia valorizado/vulnerável, a arquitetura do medo promove uma cultura de cerceamento da liberdade e da desapropriação informal de parcelas do espaço público através de grades, muros, calçadas com acesso limitado, câmeras de segurança, condomínios fechados, estacionamentos restritos, carros blindados, etc. Zonas de exclusão social, exemplos
de como a cultura do medo e o mito da segurança permeiam nosso cotidiano.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman cunhou a palavra ‘mixofobia’ para descrever aquele que seria, em sua opinião, o medo típico das grandes cidades contemporâneas: a fobia de se misturar com outras pessoas. O fenômeno acontece na sociedade atual, onde muitos indivíduos evitam interagir com desconhecidos, seja no meio da rua, na porta de casa ou até mesmo no próprio ambiente de trabalho. O abandono de logradouros usados como ninhos de convivência social, como nossas calçadas e praças, aumenta as divisões entre as pessoas fortalecendo o mito do medo e a insegurança da população que por eles transita.
Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores