Nos últimos anos, assistimos a uma transformação no debate sobre armas. Antes símbolo do poder estatal e monopólio da força legítima, passaram a ser associadas à ideia de liberdade individual. De ferramenta de segurança pública, transformaram-se em um elemento central nas discussões sobre direitos e autodefesa.
No Brasil, onde a violência é um desafio constante, o debate sobre armas ganhou força impulsionado pelo receio da criminalidade e pela crença de que a posse de armamentos poderia garantir maior proteção. Entretanto, a experiência histórica demonstra que sociedades com ampla circulação de armas não necessariamente se tornam mais seguras, podendo enfrentar desafios adicionais relacionados ao controle da violência.
Nos últimos anos, houve uma flexibilização no acesso a armas civis, resultando em um aumento expressivo no número de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). O argumento central era de que um povo armado teria maior capacidade de defesa. No entanto, a realidade mostra que a ampliação do mercado de armamentos também pode levar a um aumento da circulação ilegal, facilitando o acesso de grupos criminosos a esse arsenal.
Facções criminosas rapidamente perceberam essa nova dinâmica. Além do contrabando internacional, passaram a adquirir armas originalmente legalizadas, utilizando mecanismos como clubes de tiro e transações intermediadas por CACs. O efeito foi perceptível: um aumento na violência letal, crescimento de grupos armados e desafios adicionais ao controle do Estado sobre o uso da força.
Além do impacto no crime organizado, outro fator relevante é a expansão das milícias. Grupos formados por ex-agentes de segurança pública consolidaram-se como forças paralelas, exercendo influência em comunidades, controlando mercados e até mesmo interferindo no cenário político. A fragmentação do poder entre facções criminosas, milicianos e civis armados levanta preocupações sobre os efeitos dessa dinâmica na segurança pública e na estabilidade social.
Outro ponto de atenção é o impacto desse fenômeno na democracia. O aumento da circulação de armas pode fortalecer discursos extremistas, incentivar a violência política e gerar instabilidade institucional. Em diversos momentos, manifestações com civis armados foram utilizadas para pressionar autoridades e adversários políticos, evidenciando os riscos de um cenário em que o uso da força se torna um instrumento de disputa política.
Embora a concentração absoluta do controle de armas pelo Estado possa ser utilizada como ferramenta de repressão em regimes autoritários, a liberação irrestrita também apresenta desafios. Em vez de fortalecer a segurança e a estabilidade, pode gerar fragmentação, fortalecer grupos armados e comprometer a soberania estatal. A segurança de uma sociedade não depende apenas da quantidade de armas em circulação, mas da solidez de suas instituições e do respeito ao Estado de Direito.
O debate sobre a política armamentista deve ser conduzido com base em evidências e sem polarização. O aumento da circulação de armas exige um controle eficaz para evitar que cheguem a grupos criminosos, garantindo que políticas públicas sejam formuladas com foco na segurança coletiva. Afinal, a proteção da sociedade não depende apenas da capacidade de reação individual, mas da construção de um ambiente onde a violência não seja a regra, e sim a exceção.
Palmarí H. de Lucena