Entardecer de cobalto descolorindo as ondas. Lençol ondulante, dobras negras de aparência oleosa. Beleza do mar sucumbindo aos rigores da chuva e aos mistérios encobertos pelo véu da garoa. Pequenos barcos de pesca e canoas bamboleando nas águas, movimentos cadenciados pelo vai-e-vem das ondas e o bafejo fresco da maresia. Patachocas, fêmeas ovígeras de goiamum, caminhando apressadamente na areia em direção ao mar. Abdomens submersos, movimentos rítmicos liberando as larvas na água. Estrutura iluminada de uma plataforma petrolífera, quebrando a hegemonia negra do horizonte. Formando um contraponto visual à chama de gás escapando das entranhas da terra, as luzes bruxuleantes de Salvador. Suspensa na imensidão do céu escuro com poucas estrelas, a visão luminosa da lua crescente dos Malês da Bahia. Dormimos ninados pela monotonia melodiosa dos pingos de chuva caindo no telhado.
Dia ensolarado na Ilha de Tinharé. A Quarta Praia do Morro de São Paulo deserta, longe dabalbúrdiado Carnavalno continente. Linhas entrecruzadas na areia batida da maré seca, vestígios de charretes puxadas a burro. Pescadores caminhando apressadamente, atraídos pela noticia da abundância repentina de goiamuns no manguezal. Fim de férias, turistas trocando endereços de e-mails, promessas de reencontros. Ciclista solitário movendo-se sem pressa, parando esporadicamente para coletar excremento equino. Pífia contribuição da prefeitura contra as ameaças meio-ambientais causadas por objetos de plástico descartáveis e derrames de petróleo. Mesmerizados pela miragem brilhante de um ponto na curvatura da baia, caminhamos em busca do horizonte impossível. Devaneios interrompidos por pés cansados…
Proa da lancha cortando as águas da Baia de Todos os Santos. Navios mercantes, embarcações de luxo ou de pesca artesanal, silhuetas escuras emolduradas pelos últimos raios de sol. Atracamos próximo à orla da cidade baixa de Salvador, tínhamos uma visão privilegiada da história do Brasil. Palácios, fortes, igrejas, prédios modernos e favelas transformando as cores e formas das escarpas do nosso descobrimento. Imponente colina da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, chão sagrado de todos os baianos. Massa humana parcialmente invisível na orla, encoberta por centenas de para-sóis de plástico amarelo de uma cervejaria, esquentando o clima dócil da Quarta-feira de Cinzas. Mistérios, crenças, santos e orixás presentes em todas as alturas e nas ondas verdes do mar. Ó Bahia, iaiá… Axé!
Palmarí H de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores