Broadway, vala comum da ilha de Manhattan. Passarela da humanidade apressada. Preocupada. Ouvindo o barulho incessante do metrô, em qualquer esquina. Duas artérias fluindo na mesma direção. Pessoas genéricas e similares caminhando nas calçadas. Atravessando a avenida calçada com ladrilhos amarelos. Cor verde. Quiosques mostrando os jornais do dia. Ninguém vê as manchetes. Crise, crise, crise. Em todas as direções. Jogando Pacman. Come-come urbano. Ganha quem come mais. Ecos neuróticos de Woody Allen ressonando na mente esfumaçada do Cowboy Urbano…
Chegamos à esquina da Rua 82 e a Broadway. Livraria Barnes & Noble, a maior da cidade. Quase um quarteirão de livros. Paramos em frente à vitrine principal. Mapa da mina. Lançamentos, sessões de autógrafos, promoções. Tudo prático, bem americano. Ordem no meio da crise. Livros, livros e livros. Mostruário principal exibindo uma nova publicação. Titulo curioso… “Duke, the dog priest” (Duke, o cachorro-padre, no Brasil). Confirmando a presença do autor. Domício Coutinho, escritor brasileiro, radicado na América. Presidente da União Brasileira dos Escritores e da Fundação Brasileira das Artes, em Nova Iorque. Folheamos as páginas do livro, apressadamente. Partimos. Hora do vôo de regresso ao Brasil.
Anos atrás. Sala de conferência do Consulado Brasileiro. Palestra sobre a Biblioteca Brasileira de Nova Iorque às lideranças das comunidades brasileiras. Diplomata abre a sessão. Apresentação sucinta do palestrante. Domício Coutinho, fundador e presidente da União Brasileira de Escritores de Nova Iorque. Homem de baixa estatura, terno sem gravata. Ordenado. Direto ao ponto. As crianças brasileiras precisavam de um lugar com livros em Português. Oasis da nossa cultura. Queria todos a bordo. Perguntas e aplausos. “Cortaram nossa verba. Tem que ser feito por vocês”… O homem ouvindo atentamente a resposta oficial. Tomando notas. Pacientemente. Como se dizendo, tudo se transforma. Pergunte a Duke…
“Soube que você é paraibano”, o palestrante comentou. Confirmado. “Nasci em Boca da Mata, hoje Caaporã, você conhece?“ “Somente a placa na BR-101”, respondi. Queria saber tudo sobre a Paraíba. Sobre ex-colegas na Universidade Gregoriana de Roma. Havia renunciado ao sacerdócio. Mais perguntas. “Você conhece o padre Chico Pereira?” Lembramos do livro “Vingança Não”, um dos favoritos na adolescência. Não sabíamos a resposta. Dois emigrantes conversando. Geografia de duas vidas. Terminamos amigos. Dois paraibanos com pressa…
Durante os anos… Mais encontros, mais detalhes. Começou sua caminhada na América como sacristão. Mais trabalho. Ex-padre virando empresário. Companhia imobiliária de grande sucesso. Doutorado em literatura, com o mestre comparatista Gregory Rabassa. Amizade e colaboração com Nélida Piñon. Premio do jornal “The New York Daily News”. Dez dólares para o vencedor. Cheque nas mãos. “Sou escritor, sou escritor”, gritando para a esposa. Fundou a União Brasileira de Escritores de Nova Iorque em 1999. Mais uma transformação…
Continuando… Centro para o patrocínio das artes e letras brasileiras. Biblioteca “Machado de Assis”. Mais de 4.000 volumes. Revistas, filmes, documentários. Palestras, recitais, saraus, exposições e filmes clássicos brasileiros. Centenário da morte de Machado de Assis, “Machado 21: A Centennial Celebration”, encerrado por Sergio Rouanet. Primeiro Congresso das Escritoras Brasileiras, homenagem a Nísia Floresta, Cecília Meireles e Clarice Lispector. Prêmio Nísia Floresta para a melhor obra de uma escritora brasileira. “Sou escritora, sou escritora”…
Quem é Duke, o cachorro-padre do homem de Caaporã? Tudo aconteceu no começo de uma madrugada nova-iorquina. Impulsos e instintos sexuais de um animal comum, um cão. Praticando sexo com Lora, sua irmã e companheira de canil, na presença dos padres e irmãos. Gerando uma controvertida discussão, questionamentos bíblicos. Labaredas do pecado. Outro agravante… O irmão Alphonsus havia presenciado o ato, sem retirar-se do local. Inferno e demônios. Culpa e responsabilidade. Questionando quanto tempo o irmão havia fixado o olhar sobre o par canino, durante o ato. Desencadeando mais polêmica…
No livro, o cão se transforma em ser humano. Um cão-padre. Revelando sentimentos de lealdade, sinceridade e imensa compaixão. Conceitos de ética superiores aos comuns mortais. Alter ego de um padre que se transformou em escritor…
Nova Iorque 2009