Perdemos esta semana um colega da ONU. Outro brasileiro. Luis Costa, funcionário sênior da organização. Vitima de uma tragédia das forças incontroláveis da natureza, que nem sempre são inesperadas. Ato de Deus, um terremoto. Haiti, outra vez…
O acontecimento nos trouxe de volta ao nosso último encontro. Sede da ONU, na primavera de 2003. Almoçamos na Sala de Jantar dos Delegados. Confraternização do grupo Lusófono. Ocasião festiva, bem longe dos lugares perigosos onde havíamos trabalhado ou trabalhávamos. Nosso companheiro de mesa, Sergio Viera de Mello, morreria meses depois. Caminhão bomba, ato covarde daqueles que cometem violência em nome de Deus. Morreram nos escombros da Casa Azul da ONU; em Bagdá e Port-au-Prince. Ambos em missões humanitárias. Perigosa piedade…
Além de brasileiros, tínhamos duas outras coisas em comum. Paixão pelo humanitarismo multilateral e envolvimento prévio com missões da ONU no Haiti. Resta-nos agora a tarefa de contar a história. Compartir experiências.
O Haiti e desastres são sinônimos. Ciclo vicioso de calamidade natural seguida de turbulência política e econômica. Desafiando o truísmo de que toda a população de um país é vitimada igualmente em consequências de desastres. Os excluídos são as vitimas principais. Pobreza inclusiva.
A comunidade internacional está respondendo às necessidades do povo haitiano com vigor renovado. O mundo parece temporariamente em remissão da “fadiga de compaixão”, cansado do bombardeio de tragédias, guerras e desastres na mídia internacional. Doadores não-tradicionais brigam com doadores históricos, pelo direito de chegar primeiro com ajuda humanitária. No mesmo espaço aéreo, instrumentos de política multilateral; na prática, objetivos totalmente diferentes e unilaterais. A comunidade internacional repetindo os erros que fizeram do Haiti, o “homme malade” da América Latina.
A pobreza foi a principal causa da destruição massiva. Sabemos que a terra treme; alguns lugares são mais predispostos a terremotos. As consequências são exacerbadas em uma cidade com prédios mal construídos, infra-estrutura precária e serviços públicos inadequados. A destruição e sofrimento ocorreram principalmente nas “bidonvilles” (favelas) de Port-au-Prince; casas construídas precariamente nas encostas de morros. Corte de arvores para lenha, eliminando a proteção de enchentes e deslizamentos. A maioria do povo vivendo no desemprego, fome e analfabetismo.
Como todo desastre, o terremoto do Haiti, levanta questionamentos importantes. Infelizmente, não existe um acordo sobre como proceder depois da fase de ajuda emergencial. Uns propõem que a solução da pobreza, das consequências do desastre, é a integração do Haiti no mercado internacional. Outros argumentam que os problemas do Haiti foram agravados pelo modelo de desenvolvimento capitalista, imposto pelo FMI e os Estados Unidos, em particular. Condicionalidades nos empréstimos, por exemplo, forçaram o Haiti, antes auto-suficiente na produção de arroz, a remover barreiras para importação de arroz subsidiado. Dizimando assim a agricultura local, forçando camponeses a migrar para Port-au-Prince a procura de trabalho. Fazendo-os mais vulneráveis a desastres. Vitimas do terremoto, vitimas de tudo e todos…
Primeiro, temos a obrigação de ajudar as vitimas. Depois, aprender e descobrir as melhores possibilidades de ajudar o país a sair da pobreza.
Que lições aprendemos? Que oportunidades existem? Quem está ajudando o Haiti a se ajudar? As respostas dependem inteiramente da vontade política da comunidade internacional, de promover um programa de reconstrução nacional que seja genuinamente desinteressado, robustamente multilateral.
Port-au-Prince 2010