O fotógrafo acidental

Depois de concluída nossa visita à cidade de Drobeta-Turnu Severin, na Romênia, nos dirigimos a Servia. Cruzaríamos a barragem “Portões de Ferro”, erguida em um cânion do Danúbio, ligando os Montes Cárpatos aos Bálcãs. Anoitecia no delta do Danúbio…

Os faróis do carro encontram uma silhueta. Soldado jovem, fumando descontraidamente, segurando uma carabina AK-47 na mão esquerda. Obstruindo a passagem. Olhando para o carro, com um desinteresse ensaiado. Pediu que desembarcássemos e abríssemos o porta-malas. Quinze minutos depois, inspeção concluída. Caminhou pausadamente em nossa direção. Sinalizou que entrássemos no carro. Notamos enfiado no bolso da túnica do soldado, um dos nossos livros, “Passage to Índia” de E. M. Foster. Nos tranquilizou: “No problem, I speak English!” Gesticulou em direção da Servia, podíamos continuar a jornada. Sem pelo menos um “thank you”, por nossa contribuição literária…

Escuridão na Servia. Estávamos no campo. Desesperados à procura de um hotel, alguém que falasse Inglês. Decidimos viajar diretamente para Belgrado. Aumentamos a velocidade. Obstáculo na estrada. Ouvimos o inquestionável barulho de ar saindo pelos pneus dianteiros. Passaram-se três longas horas. Faróis aproximando-se. Quatro homens espremidos na cabine de uma caminhoneta Lada. Mal vestidos. Cheirando a cebola, bebida barata e tabaco. Examinaram os pneus. Coçando as cabeças, com precisão de nado sincronizado. Vulcan! Moveram o veiculo precariamente para o acostamento. Removeram os pneus, apoiando a frente do veiculo em pedras. Convidaram-nos para subir na carroceria. Meia hora viajando por estradas de barro, escuras. Chegamos ao nosso destino, uma fazenda coletiva. Estrangeiros! Éramos a grande novidade. Moveram-nos para um pequeno quarto ao lado do estábulo. Calor infernal. Dormimos de janela aberta.

Acordamos tarde. Várias pessoas nos observavam da janela. Batidas na porta. Mulher idosa, vestida estilo “babushka”. Gesticulou com as mãos, para acompanhá-la. Café da manhã no refeitório da fazenda. Alguém pediu atenção. Homem maduro, aparência de político do interior. Entendemos duas palavras. Soavam como câmera e fotografia. Convidados para segui-lo até um galpão. Decorado ostensivamente, clima festivo. Casal jovem se aproxima. Com gestos sugestivos, compreendemos que era seu dia de núpcias. Alguém apareceu com as nossas câmeras. Bingo! Havíamos sido designados fotografo oficial do evento. Mais uma noite na fazenda. Documentamos o casamento, sucesso total. Trataram-nos como celebridades. Tragos e mais tragos de šljivovica, aguardente de ameixa, à nossa saúde. “E o carro?“ “Vulcan, vulcan…”, responderam.

Acordamos ressacados. Precariamente prontos para retomar a estrada. Nossos amigos reapareceram, não tinham boas noticias. Os pneus ainda não haviam sido vulcanizados, devido à falta de manchões. Prometeram trazê-lo no dia seguinte. Enquanto tentávamos conversar, apareceu um homem em uma viatura oficial. Falava Inglês. Convidou-nos para fotografar a cerimônia e festa de formatura do colégio local. O chefe do vilarejo estava ansioso por conhecer o “famoso fotografo internacional”, hospedado na fazenda. Sem qualquer alternativa, partimos para uma nova contribuição.

No dia seguinte, coincidentemente, o carro reapareceu pronto para a viagem. Pequena procissão nos acompanhou até a saída da cidade. Entregaram mais de cinquenta pedaços de papel, como os nomes e endereços das pessoas que fotografamos.

Meses depois, enviamos as fotos para serem entregues aos noivos e concluintes. Gastamos mais de 350 dólares. Preço razoável pelo momento de fama de fotógrafo internacional, na Servia. Como bônus, duas câmaras de ar vulcanizadas… Seguimos esperando o “thank you!”

Iugoslávia 1973