Idoso maltrapilho, rosto suado, espelhando a fadiga de quem carrega um fardo pesado, subsistindo com o mínimo necessário para enfrentar um cotidiano triste. Chamado de Serafim, ele descansava encostado na parede da vaga reservada para pessoas com deficiência, ironicamente transformando o espaço em um abrigo temporário, longe dos olhares curiosos. Serafim, uma figura genérica, buscava refúgio na sombra da farmácia.
Observamos Serafim caminhar sem rumo definido, seguindo trilhas imaginárias ao longo do meio-fio ou do acostamento. Carregava nas costas um fardo que parecia pesar mais que a cruz bíblica, contradizendo a suavidade esperada de alguém de seu nome. Aproximamo-nos, na tentativa de entender sua motivação ou a condição de saúde mental que dificultava a possibilidade de compactuar com o mundo barulhento ao seu redor. A ambiguidade e o anonimato desse idoso geraram inúmeras fantasias e lendas urbanas. Diziam que ele fazia parte de uma família abastada e diferenciada, uma das narrativas mais populares, repetida por aqueles que alegavam conhecer o histórico e as andanças de Serafim. Mas seriam apenas Fake News?
Serafim, a lenda, é fruto de uma postura social que torna invisíveis os idosos nas nossas ruas, principalmente aqueles que despertam sentimentos de repulsa, vergonha ou culpa. O fato de ele não pedir ajuda de forma agressiva, nem abordar as pessoas, aumenta o mistério em torno de sua figura e reforça sua alienação social. Sua postura deliberadamente antissocial e hostil às tentativas de auxílio o mantém à margem, num isolamento quase imposto por si mesmo.
Tentamos dialogar com Serafim. Seus grunhidos e mãos nervosas pediram que nos afastássemos, desencorajando novas tentativas. Continuamos a observá-lo em seu vai e vem, sem jamais trocarmos uma palavra. Boatos sobre sua morte surgiram, mas logo foram desacreditados quando alguém o avistou sentado no meio-fio, perdido em seus devaneios. Serafim é apenas um dos muitos idosos invisíveis, enfrentando os perigos e preconceitos das ruas e calçadas, frequentemente ignorados ou considerados como um peso social.
Palmarí H. de Lucena